Malcon Gustavo Tonini – Professor e mestre em História
Seguindo as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil, nas edições do Correio Catarinense de setembro, conheceremos mais um personagem fascinante da história do Brasil, Leopoldina, a princesa triste, em mais um texto fundamentado na obra do escritor Laurentino Gomes:
Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo, primeira imperatriz brasileira, tinha tudo que o marido, D. Pedro I, valorizava em uma mulher, menos o que ele acreditava ser fundamental: “sensualidade”. Mulher certa, casada com o homem errado, nascida no berço mais dourado da época, a corte da Áustria. Leopoldina reunia um conjunto notável de virtudes no campo do saber, da educação, das boas maneiras e da sensatez na forma de agir.
A intelectual e virtuosa, Leopoldina era, porém, rechonchuda e desleixada com as roupas e o corpo. Preferia colecionar rochas, borboletas, plantas e animais silvestres a participar das festas e noitadas que tanto fascinavam seu marido. Tinha 20 anos quando se casou por procuração com o herdeiro da coroa portuguesa, um ano e nove meses mais novo que ela. Desembarcou no Rio de janeiro, em cinco de novembro de 1817. Teve papel fundamental na Independência, mas aos poucos foi se decepcionando com tudo e com todos.
Em nove anos, engravidou nove vezes e deu a luz a sete filhos. Isso porque na corte de Viena, as princesas eram preparadas de forma metódica para servir ao Estado, o que significava engravidar e parir a prole mais numerosa e saudável possível para seus futuros maridos príncipes, reis e imperadores. Nessa função, amor e felicidade no casamento eram coisas acessórias, com as quais jamais deveriam contar.
O casamento de D. Pedro, como mandava a tradição, envolvia os altos interesses no delicado jogo de xadrez que se estabelecera entre as monarquias europeias após a queda de Napoleão, em 1815. Seu pai, D. João VI, precisava estreitar os laços entre a coroa portuguesa e os Habsburgos austríacos (o pai de Leopoldina, Francisco I, ocupava um trono pertencente a esta linhagem) como forma de se contrapor à excessiva influência da Inglaterra nos seus domínios. A princesa aceitou sem questionar seu destino porque assim fora educada desde o nascimento.
Leopoldina, antes de vir ao encontro do marido, leu tudo o que pode sobre o Brasil. Encantou-se com a possibilidade de estudar as famosas rochas brasileiras, fontes da riqueza mineral que sustentava a prosperidade da metrópole portuguesa. Para a princesa, o Brasil se parecia mais com um parque temático, do que com a terra bruta, selvagem, de bichos peçonhentos, nuvens de mosquitos e sol inclemente que viveria seus próximos e derradeiros nove anos.
Ao desembarcar, beijou os pés do sogro, D. João VI, e da sogra, Carlota Joaquina. D. Pedro fora recebê-la a bordo. Juntos percorreram a pé as ruas do centro da cidade enfeitadas por pétalas de rosas e arcos triunfais, em meio às salvas de canhões e o aplauso da multidão. Inicialmente, Leopoldina acreditava estar fazendo parte de uma corte de “anjos de bondade”.
Rapidamente a dura realidade dos trópicos foi se apresentando e se impondo aos sonhos da princesa. Teve seu primeiro susto, ao descobrir que seu marido era epilético. Outra surpresa estava relacionada ao gênio difícil do príncipe, dado as explosões de mau humor que assustavam a princesa. Apesar de tudo, o casamento foi relativamente feliz nos três primeiros anos. O casal costuma passear a cavalo pela floresta da Tijuca e caçar borboletas e observar a natureza. Às vezes Leopoldina acompanhava o marido na revista às tropas. À noite iam ao teatro ou tocavam instrumentos juntos no palácio. As refeições eram feitas em alas diferentes e cada um tinha seu próprio aposento. D. Pedro mandava trancar e vigiar até o dia seguinte os aposentos da princesa, mas não por ciúmes, e sim para que o príncipe não fosse surpreendido pela mulher em suas famosas escapadas noturnas.
No dia 4 de abril de 1819, Pedro e Leopoldina tiveram seu primeiro filho, a primeira princesa nascida no Brasil e a futura rainha de Portugal, batizada com o nome de Maria da Glória. Depois, Leopoldina daria a D. Pedro mais seis herdeiros, um por ano. Por ordem, Miguel, morto ao nascer; João Carlos, morto aos 11 meses; Maria Januária Carlota viveu até os 79 anos; Paula Mariana, morta aos 10 anos; Francisca Carolina Joana viveu até os 74 anos; Pedro de Alcântara, o imperador D. Pedro II, morto aos 66 anos, dois anos após a proclamação da república. A sequência de gravidez e parto logo cobrou seu preço. Leopoldina virou uma matrona, não usava colete ou espartilho, como era moda entre as mulheres da época. A falta de adereço deixava à mostra o corpo flácido e as curvas exageradas.
À medida que Leopoldina engordava e descuidava da aparência, D. Pedro ia se tornando mais abusado nas aventuras extraconjugais. O que antes era dissimulado logo se tornou público. A princesa por sua vez, se envolvia cada vez mais no turbilhão dos acontecimentos políticos que precediam a Independência.
Leopoldina, já madura e sem as ilusões que tinha sobre a vida nos trópicos, se distancia das ideias conservadoras da corte de Viena e adota um discurso mais liberal a favor da causa brasileira. Foi ela quem convenceu José Bonifácio a aceitar a nomeação para o ministério em 1821, cargo que o paulista insistia em não aceitar, pois não confiava em D. Pedro. A declaração da independência, em setembro, escrita por José Bonifácio, foi assinada por ela e enviada a D. Pedro, que ainda estava em São Paulo. Ou seja, do ponto de vista formal, a independência foi feita por Leopoldina e Bonifácio, cabendo ao príncipe apenas o papel teatral de proclamá-la na colina do Ipiranga. Depois disso, Leopoldina se empenhou a fundo no reconhecimento da autonomia do novo país pelas cortes europeias, escrevendo cartas ao pai, imperador da Áustria, e ao sogro, rei de Portugal.
Leopoldina, ao longo do tempo, sofre também uma grande transformação na sua vida privada, a desilusão com o marido, com a mediocridade da vida social no Rio de Janeiro, e a resignação de nunca mais voltar à Europa ao perceber que estava abandonada à própria sorte no Brasil. Já em 1821, a princesa sentia não ser amada, e foi uma semana anterior ao grito do Ipiranga que D. Pedro se apaixona por sua futura concubina, Domitila de Castro Canto e Melo, a futura marquesa de Santos.
Levada por D. Pedro para o Rio de Janeiro, Domitila passou a receber todas as atenções, presentes e honrarias do imperador, enquanto Leopoldina ia sendo ofuscada e humilhada em público. Abandonada, pelo marido, recebia cada vez menos dinheiro para a casa e o sustento dos filhos. A marquesa ao contrário, ostentava joias e presentes, traficava influências com diplomatas e altos funcionários do governo, indicava familiares para cargos e honrarias da corte e vivia suntuosamente. Leopoldina começou a murchar, tragada pela depressão que ceifaria sua vida prematuramente.
Em novembro de 1826, D. Pedro partiu para o Rio Grande do Sul com o objetivo de acompanhar de perto os desdobramentos da guerra Cisplatina. No dia 29, doente e deprimida, Leopoldina presidiu a reunião do conselho de ministros. Foi seu último compromisso público. Nas horas seguintes começou a ter febre alta e crises convulsivas. No dia 2 de dezembro abortou o feto de um menino. Estava na nona gravidez.
Morreu jovem, no dia 11 de dezembro, com menos de trinta anos, triste e abandonada pelo marido. As circunstâncias da morte ainda são um mistério. Boatos na época diziam que ela teria sido agredida por D. Pedro com um pontapé na barriga durante uma discussão na presença da marquesa de Santos, no dia 20 de novembro em um beija-mão de despedida, antes de ele partir para o Sul. A notícia da morte espalhou comoção na cidade. O povo saiu às ruas em prantos. A casa da marquesa de Santos foi apedrejada. Ao saber da morte de Leopoldina, D. Pedro retornou às pressas ao Rio de Janeiro e se trancou em luto de oito dias. Mas pelas cartas e bilhetes que deixou, sabe-se que seu luto foi mais aparente que real, pois sua lágrima foi enxugar na cama de sua amante.
No final da vida, passou necessidades, afundou-se em dívidas distribuindo esmolas para os pobres do Rio de janeiro. Hoje é reverenciada com carinho pelas camadas mais simples da população brasileira.
Leia também
BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA: Verdades e mitos sobre os “Heróis da Independência” [Parte 1]