Cristiéle Borgonovo
Ao escrever e relembrar as histórias e memórias do setor calçadista de São João Batista, sempre se traz as narrativas dos homens. Empreendedores, aprendizes e profissionais que de alguma forma iniciaram essa atividade milenar, que hoje é a de maior destaque na cidade. Não é sem mérito que São João Batista é a Capital Catarinense do Calçado e o quarto maior polo calçadista do Brasil.
Ao instigar onde estão às mulheres e de que forma contribuíram para a pujança do setor, raríssimos são os relatos da contribuição feminina. Vale relembrar que há décadas era cultural apenas os homens ganharem destaque.
Dessa forma, nessa edição especial do Jornal Correio Catarinense vamos destacar o nome das possíveis primeiras mulheres a atuarem na profissão. Também iremos trazer a trajetória de mulheres fortes, que de forma visionária estão à frente dos negócios. Seja assumindo os empreendimentos da família ou que arriscaram empreender. Todas com suor e coragem hoje refletem sucesso.
Os pioneiros calçadistas
A professora aposentada Mira Said da Silva, 72 anos, desde menina recorda de passear de mãos dadas junto ao avô José Marcelino Pereira pela tamancaria da família. Desse tempo, lembra de mulheres trabalhando na confecção de calçados. Dessas memórias, ela resolveu pesquisar e registrar com áudios, vídeos e anotações sobre o que tange o setor calçadista e a participação feminina no setor.
Registros dão conta que em entre 1912 e 1913, Aires Bernardes tinha uma tamancaria na Rua Padre Januário, aproximadamente onde hoje é a Luk Boutique. Ele era o responsável por fazer os calçados da Primeira Eucaristia, tamancos e chinelos. Eleotério Domingos Vargas, nesses registros monta a segunda sapataria da cidade. Essa, localizava-se no bairro Cardoso, em frente onde hoje é a Tarciso Tur.
Em 1923, Lindolfo Pereira despertou o interesse pela fabricação de calçados. Foi para Brusque aprender o ofício. Após aprender a profissão, ele montou uma pequena sapataria. Ao lado do irmão José Marcelino Pereira, conseguiu 14 contos de réis emprestados do pai Marcelino Pereira D’avila e levou a sapataria para o Centro do vilarejo. Fabricavam tamancos, chinelo, sapatões, sapatos, cintos, bonés e alpargatas.
Acylia Izabel Soares é tida como a primeira sapateira batistense
Em 1931, Lindolfo ficou viúvo e com uma filha recém-nascida. Depois, casou-se com a cunhada, algo comum para a época. Acylia Izabel Soares se tornou a companheira por décadas. Era tida como uma mulher afrontosa, de iniciativa e considerada à frente do seu tempo, fato que lhe custou comentários maldosos.
Acylia mostrou interesse pela fabricação dos calçados. Aprendeu o ofício antes dominado pelos homens. Com força e deixando para trás o preconceito, usava faca, turquesa, pregos, torno, ‘grude’ que era feito com a mistura de suco de limão e polvilho, e confeccionava calçados.
Apesar do trabalho do casal, ainda deviam dinheiro ao pai do marido. Como a mão de obra dos homens era mais cara, ela convenceu o esposo de dispensar todos, o que teria sido uma afronta. Dessa forma, a mão de obra feminina era mais barata, porém, esse fato fez também com que esses homens dispensados montassem suas fabriquetas e, sendo assim, fortalecessem o setor.
Contratou mulheres que eram solteiras ou noivas e que queriam trabalhar intercalando com o serviço na roça. Na agricultura não recebiam salário, pois era um serviço familiar. Dessa forma, os trocados recebidos na sapataria eram utilizados para a compra dos enxovais. O único homem que ficou na fábrica foi Ezequiel Lola Degroti.
Venceram o preconceito e deram conta do recado, mesmo sendo um serviço pesado. Os homens da época faziam apostas, afirmando que essas mulheres não dariam conta do processo de fabricação. As solas eram de pneus e tinham que ser cortadas na faca. “Um serviço braçal que exigia força física, mas elas conseguiram e os homens acabaram perdendo as apostas”, destaca Mira em suas pesquisas.
Entre os nomes pesquisados das mulheres que trabalham nessa época estão: Luiza Venera Amorim, Zilá de Almeida Melzi, Antonina Soares Andregtoni, Maria Silva Martins, Iná Laus Souza e a própria Acylia.
Em 1942, com um surto de malária na região e com medo de contrair a doença, pois estava grávida, Acylia convenceu o marido a vender a parte dele na fábrica e mudou-se para Curitiba, capital paranaense. Quem comprou a sapataria foram os irmãos mais novos de Lindolfo: Raul e Santos Pereira.