Jonas Hames
Maria. Sim, Maria. Maria Círia Aragão Zunino. Dona Círia.
Quem teria a audácia de pegar caneta e papel e, de próprio punho, escrever 29.240 capítulos
em 80 temporadas? Maria. Sim, Maria. Sua obra, original e autodirigida, é um testamento de
sua vida. Antes de ser Zunino, foi Aragão, e ao longo de sua jornada, foi Dona Círia. Foi a
Círia da Rádio, a Círia do Rede, a Círia da Prefeitura, a Círia do Neto. Foi Maria Círia Aragão
Zunino, e assim continuará sendo. Sua obra resistirá ao tempo, será memória viva.
Tudo passa, e de repente a vida nos alcança — poderia ser uma frase capturada numa
manhã de sábado, enquanto a cidade desperta ao som do rádio. Poderia ser Círia, escrevendo
à mão outras tantas histórias, tocando vidas com seu exemplo, suas palavras, seu encontro.
Mas a vida é impermanência. Tudo muda, tudo silencia. E no silêncio, Maria permanece.
Tudo permanece. Maria Círia, que saiu de Canelinha para a Capital, conquistou as
salas de aula em São João Batista e esculpiu sua vida em quadros de traços cruzados. Ela é
a permanência. A professora, que foi secretária escolar, diretora, catequista e formou centenas
de casais em cursos, é vida entrelaçada.
Se fechar os olhos, a imagem de Círia, Dona Círia, sorrindo e de vestido rosa, aparece.
Se mantiver os olhos abertos, pesa o som das horas dedicadas, articulando e defendendo
suas causas, nossas causas, afinal. Pois as causas que moveram Maria e Círia eram as
causas de todos nós. Da sociedade que se engrandece com o voluntariado. Ela foi, e será, a
expressão do voluntariado. Em simbiose. Sinônimos.
Dessa mulher que deu o melhor que tinha, o tempo, um valor incalculável de horas.
Deu mais do que podia, o mais importante: amor. E valores. Ela, que teve que se construir e
reconstruir tantas vezes. De menininha a Dona Círia. Maria esteve nas associações, no Lions
Clube, na Sociedade 19 de Julho. Dona Círia esteve na Prefeitura, nos Conselhos e em
Fóruns. Maria foi radialista, colunista e membro da Academia de Letras. Recebeu muitas
homenagens, placas, menções. Em vida. Porque Dona Círia circulava, como sangue pelas
veias daqui e dali, por tantos lugares.
E daqui, de São João, às vezes é possível confundir as duas personas: a de Círia e a
da cidade. Porque ambas caminharam juntas, dançaram, conversaram, sentaram para tomar
uma xícara de chá muitas vezes. Cantarolaram e desenharam muitos caminhos, por onde hoje
passamos, sem perceber que ali, também é de Maria. A morte, a passagem, dói. E custa.
Deixa silêncio. Mas, se olhar bem, Maria aparece acenando. Nas memórias. Nos 80 anos de
memória que talhou, só de amor. Qual fortaleza. Qual enciclopédia.
Em quase metade das 80 temporadas, Dona Círia definiu a protagonista. Pintou em um
quadro com tintas coloridas uma das marcas que são dela, mas também nossas. A Rede
Feminina de Combate ao Câncer. Foi colando camadas sobre camadas de tintas coloridas
nesse quadro por anos. Uma obra que foi dela, e que também foi coletiva. As coisas se
confundem, se fundem. E ela espalhou cópias dessa obra por aqui e por ali. Liderou a Rede
estadual com a resistência em punho, como quem comanda seu próprio exército. Dos que se
voluntariam, que saem de casa para e pelo outro.
Maria. Sim, Maria. Maria Círia Aragão Zunino. Dona Círia escreveu e dirigiu sua vida
até o último acorde, o fim da sessão. Fez sua passagem no Dia do Voluntariado. Devemos
lembrar: estamos por aqui e por aí, em todos os cantos, Círia vive, brilhando de uma maneira
diferente. Brilha para todos, no exemplo, nas histórias, na construção de significados e
entrega. É a vida. E a Maria, que era Círia, e antes de Zunino foi Aragão, desfrutou até o último
acorde e passo da dança. Agora, é memória e inscrições por aí.
BIOGRAFIA
CÍRIA ZUNINO
*08.08.1944
+28.08.2024
Maria Círia Aragão Zunino nasceu em 8 de agosto de 1944, em Canelinha, filha de Clarinda e Bento Manoel Aragão. Depois de cursar os primeiros anos de escola em Canelinha (Escola isolada Fazenda Vitória e Escola Olga Bopré, atual Minervina Laus), concluiu o primeiro e o segundo graus – magistério – em regime de internato no Colégio Coração de Jesus, em Florianópolis, de onde saiu, em 1966, para casar-se com Almir Zunino. Teve três filhos: Cristina, já falecida, Nelson Zunino Neto e Paulo Augusto Aragão Zunino.
Desde 1967 morou em São João Batista, terra que adotou como sua, e à qual devota amor e respeito. Círia Zunino lecionou na Escola Básica Professor Patrício Teixeira Brasil, onde foi Secretária e Diretora, e também no Colégio Estadual São João Batista. Foi catequista e por muitos anos ministrou palestras em
cursos de noivos.
Foi presidente da Associação de Pais e Professores do Colégio Estadual, presidente do Lions Clube São João Batista (a primeira mulher catarinense e segunda brasileira a assumir tal função), presidente da Sociedade Recreativa e Cultural 19 de Julho (onde organizou a maioria dos bailes de debutantes), Diretora do
Hospital Monsenhor José Locks, Secretária da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de São João Batista, Chefe de Gabinete do Prefeito Municipal, Gerente do Departamento de Indústria, Comércio e Turismo do Município, já exerceu interinamente o cargo de Secretária Municipal da Administração e atuou por muitos anos como assessora de cerimonial e eventos da Prefeitura de São João Batista. Foi ainda agente do Balcão SEBRAE em São João Batista, coordenadora do Fórum de Desenvolvimento Sustentável do município, e conselheira do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, e colaboradora do Fórum Permanente do
Terceiro Setor do Vale do Rio Tijucas.
Por aproximadamente três décadas apresentou programas na Rádio Clube São João Batista e depois na Rádio
Super. Foi colunista social, escrevendo para o Jornal Santa Catarina e jornais regionais. Foi membro da Academia Batistense de Letras.
Durante toda a vida foi convidada frequentemente a proferir palestras, promover eventos, organizar cerimoniais e prestar homenagens.
Em 2002 recebeu da Câmara de Vereadores o título de Cidadã Batistense, e em 2011 uma menção honrosa da Loja Maçônica local, pelos serviços dedicados à causa do combate ao câncer. Em 2023 recebeu da Câmara Municipal de São João Batista menção honrosa pelos serviços prestados no combate ao câncer
junto à Rede Feminina estadual.
Há mais de 30 anos fundou a Rede Feminina de Combate ao Câncer de São João Batista, sendo presidente por cerca de 15 anos. Eleita e reeleita presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Santa Catarina, faleceu no exercício desta função.
Círia esteve presente nos principais acontecimentos históricos do município, participando ativamente junto à
comunidade batistense e, por meio da Rede Feminina, em muitos municípios catarinenses.
Falecida no Dia do Voluntariado, 28/8/2024, aos 80 anos, foi velada no salão da Sociedade Dezenove de Julho, tendo recebido a visita de centenas de pessoas de diversos municípios, além de autoridades locais, regionais e estaduais, e a presença do governador do Estado.
Círia dedicou sua vida a transformar muitas outras