Amanda Ághata Costa – Escritora
Na cálida noite de 1986, os teus dedos finalmente imploraram por misericórdia. Eles gritaram pela salvação que nunca, de fato, te conheceu em vida. Da janela de meu quarto eu pude observar toda a melancólica cena; desde o momento em que teu corpo se arrastou por todos os cômodos em busca de uma gota de álcool. Líquido este que, segundo tua suposição, te sugaria da realidade cruel que reverberava nos ossos, e te fazia enlouquecer a cada tiquetaquear dos diversos relógios suspensos em cada imunda parede.
Enxerguei o ódio que saltitava das tuas íris e o terror que assombrava tua alma. Quis lhe entregar o restante de paz que eu possuía para que você absorvesse dela ao menos por alguns instantes. O arame farpado estava lhe cercando os braços e o pescoço, e te fazia sangrar a cada vez que bradava as palavras mais dolorosas possíveis. Por mais invisível que este arame aparentasse ser aos olhos alheios, nem por isso o tornava menos real. A tua dor era o fio amarrado que extinguia todo o oxigênio do teu corpo.
Te digo agora o quanto eu queria poder ter doado os meus resquícios de sanidade, apesar de não tê-la sobrando. Vê-lo desabar a cada fraquejar de joelhos, fez de mim mais atroz do que poderia um dia imaginar. A tua redenção poderia ser encontrada no calor dos meus braços, e nas mais doces declarações que jamais desprenderam-se de minha boca. Te neguei a possibilidade de ser salvo. Neguei a mim mesma, a oportunidade de vivenciar o mais intenso e genuíno sentimento.
Enquanto carrego nos ombros o fardo de abortar o amor, o arame farpado faz cócegas em minha garganta, ansiando pela sua próxima vítima. As gotículas de desespero estão encharcando o tecido branco do vestido de seda, ao mesmo tempo em que o arrependimento me desprende dessa órbita.