Amanda Ághata Costa – Escritora
O blues ecoava na vitrola, como se choramingasse baixinho para que quase ninguém prestasse grande atenção nas notas. Ainda que fosse sutil, todos olhavam em busca do som, porque apesar da indiferença rotineira vista ali, seria impossível não reparar.
Havia um céu que explodia em cores, o amor proibido, a dor metralhada nas mãos e em todos os ossos. Era uma dor diferente, algo que ia muito além do normal. Alguns lábios esboçavam sorrisos repletos de uma alegria esbanjada, quando na realidade tudo não passava de uma nova cena daquele típico teatro mórbido e pouco eficaz. Isso seria impossível de não notar também.
Eu visualizava aqueles olhos furtivos que investigavam todos os detalhes, sedentos por qualquer dose da melancolia alheia, do desespero da plateia. Eles até tentavam extrair o que era verdadeiro, mas não eram capazes de contemplar o que realmente havia sido apresentado na canção. Sugar os sentimentos de alguém requer mais delicadeza do que a maioria dos presentes estava disposto a dedicar.
Enquanto os espectadores sussurravam em meio a canção, as notas da melodia permaneciam flutuantes entre as paredes, preenchiam o espaço, ao mesmo tempo em forneciam luz para os desavisados. Era como um guia perfeito para qualquer lugar onde alguém quisesse ir.
E você estava lá, entre todas aquelas pessoas, fingindo ser alguém perdido na multidão. Não sei porque, mas eu tinha a impressão de que você queria ser invisível a todo o custo. Ainda assim, por mais que tentasse, jamais conseguiria ser apenas mais um. Não existiriam olhos neste mundo ou em qualquer outro, que faiscariam como os seus.