Dr. Wilian Duarte da Silva
Nas canhadas batistenses, há histórias que só os mortos podem contar, se voltarem a viver. Nem por isso, deixam de aparecer resquícios que se encontram perdidos e incrustados em mentes isoladas, particularizando a memória.
Contam que nos primórdios da década de quarenta (40), o padre italiano Januario Testa ou Jennaro, pároco de São João batista, entendeu de fazer uma visita na capela São Pedro, na localidade de Fernandes. Falava a língua italiana fluentemente e talvez outras, mas a nossa era um amontoado de sotaques. Costumava chamar o povo de “me se queridos” ou então de “compadre” para amigos próximos.
Chegou na nossa comunidade por volta de 1926, vindo de Nápoles, Itália. Foi, sumariamente expulso da paróquia, por determinação da cúria metropolitana, em 1950. Pior, sem ter para onde ir. Sem opção. Forçosamente teve que voltar para Itália, já debilitado e idade avançada. Chorando copiosamente, saiu da cidade com o coração dilacerado, por deixar a população e paroquianos, a quem tanto amou, e onde viveu tanto tempo. Esse fato, repetiu-se em sua despedida no porto de Itajaí. Sem retorno.
Aqui me permito fazer pequena reflexão, sobre a vida peregrina desses abnegados religiosos. Deixam a família, a pátria e amigos, para se escarafuncharem por esse mundão de Deus, levando a bíblia como consolo. Apegados a religião, ministram ensinamentos bíblicos. Conduzem o povo para caminho do bem. Levam aos desassistidos de religiosidade, a palavra amiga, honesta, sincera e despretensiosa. Embebidos de fé e vontade em cumprir o sacerdócio, dão de si, da sua desambição, sem medir consequências, dificuldades e sacrifícios, que só a natureza pode aquilatar. Muitas vezes, sem um familiar ou um amigo para lhe visitar e dar consolo em doença, e sequer, um leve abraço de despedida ao sair. Vivem normalmente sós, trabalhando, estudando e resolvendo problemas sociais da paróquia e comunidade. São pessoas amáveis, dedicadas, de corações enternecidos, predestinadas para propagarem a religião e a paz. Imaginar o afastamento de um religioso da comunidade, beirando vinte e tantos anos de convivência, é chocante, de doer o coração. O sentimento de afeto deixa marcas indeléveis. Isso aconteceu com o nosso estimado padre Januário, que sempre trabalhou sozinho. Durante todo tempo, de permanência na paróquia, nunca visitou seus familiares na Itália. Pensem. Hoje, os tempos são outros, com facilidades e tecnologias a disposição.
A paróquia de São João Batista, foi a primeira do Vale do Rio Tijucas, criada em 19 de abril de 1838. Na época da sua ascensão e posse, a paróquia compreendia, além de São João Batista, sede paroquial, mais o Distrito sede de Major Gercino, e localidades de Centro do Moura e Porto do Moura. Era uma paróquia de jurisdição enorme, de difícil atendimento. Sem somar as variadas circunstâncias corriqueiras e incomodativas, entre tantas, falta de condução, distanciamento de localidades, estradas esburacadas, capelas acanhadas, dependentes de reformas ou construção. E num tempo de esparsos colonos.
Como os velhos tempos não davam facilidades, o que se fazia, arrebatava grande sacrifício. O transporte primitivo funcionava para quem podia financeiramente, comprando cavalo, carro de bois e raramente carroça, veículo de luxo, apesar de conhecida desde 3.500 a.C. Com esse meio de locomoção arcaico, as distâncias se tornavam demoradas e imprevisíveis, dependentes de variadas coisas e localização.
Pois bem, o nosso prestimoso padre conseguiu de um paroquiano, uma carroça emprestada, para leva-lo a mencionada capela. Querendo economizar tempo, entendeu de encurtar caminho. Antes, porém, consultou moradores regionais. Uns no afã de lhe agradar, indicaram o caminho de acesso ao Timbé, que seguia ladeado por pastagem de propriedade de Osória Duarte e José Venâncio, onde se vê diversos prédios públicos, rua Leoberto Leal e seguida pela rua Dr.Almir Zunino, até a entrada de Timbé. Outros, propuseram a estrada geral SJBatista/Fernandes, de administração estadual, conservada por cantoneiros, que só dispunham de enxadas, hoje, rua Nereu Ramos e outras.
Depois de várias e truncadas informações, resolveu passar pelo primeiro caminho. Trilho apoucado, sem serventia, onde raramente transitava carro de bois, tocado por algum morador de distantes paragens. Note-se, qualquer caminho ou estrada eram executados manualmente, sem máquinas. Sua viagem, necessariamente, partiu da igreja e seguiu o caminho escolhido até a entrada de Timbé, e de lá, palmilhando pela rua Tiburcio Taurino Bozzano em direção a estrada geral, atual rua Vicente Marcos da Silva. Essa preferência de caminho lhe custou os olhos da cara e os dentes da boca, no dizer de Rui Barbosa. Ficou debilitado, com ferimentos. O desgastado padre, não avaliou o sofrimento que iria passar, transitando de carruagem em caminho rudimentar, mal-acabado e cheio de buracos, além de extremamente estreito. A carroça dava solavanco, saía de um buraco, entrava noutro, castigando o religioso, que por pouco não foi arremessado para fora do veículo. Era homem de estatura mediana, corpulento e de pouca mobilidade.
Nas imediações do cemitério, na rua Dr.Almir Zunino, mandou parar a carroça, ante o desconforto, e se pôs a queixar-se da viagem. Gesticulando as mãos trêmulas dos desequilíbrios carroçáveis, reclamou, dizendo ao pobre carroceiro, que suas nádegas estavam lanhadas e o corpo dolorido, causadas pela trepidação e incomodo da bancada, tábua que servia de assento.
Em momento algum podia imaginar tamanha amargura e desolação, mas se considerava perdoado por algum pecado que por ventura tivesse cometido ao longo da vida. Nesses momentos de dores e aflições, exclamou, “que lugar tristonho, de afastada memória”. A cultura popular registra os acontecimentos, não importando o tempo. Dizem que praga de padre é correnteza de rio acima, só acontece, se a natureza inverter a ordem natural (leito). Incrivelmente, o lugar está cravado entre outros, de maiores relevâncias. Por ali estão, o cemitério e casa mortuária. Os ditos populares, se conservam através dos tempos. De geração em geração. Normalmente, os adágios e contos populares, quase sempre, refletem acontecimentos verdadeiros.
Apesar de seu estado corporal degradante, sua viagem prosseguiu até a capela São Pedro, onde passou a confessar pessoas, rezando missa e dando bênçãos.
Outra feita, na segunda metade da década de 40, foi para Major Gercino, em visita paroquial. Ao regressar, depois de demorada permanência, passando por um ribeirão na estrada geral, caiu da carroça e quebrou uma das pernas. Ficou meses em recuperação, rezando missa sentado na velha igreja da cidade.
O que é da cultura popular, dificilmente se apaga. E a nossa obrigação, é registrar.
Aos leitores o nosso abraço.