Malcon Gustavo Tonini *
Muitas madeiras foram beneficiadas ao longo da bacia hidrográfica do rio Tijucas do século XIX. As serrarias desse passado eram dependentes de um trabalho feito à braços, desde a derrubada das árvores e o seu falquejamento. Uma manipulação que produzia tábuas, barrotes e sarrafos para a construção civil, marítima e para a fabricação de móveis. Dentre as árvores em abundância no Vale do Rio Tijucas estavam o pau-ferro (nome popular usado para variadas árvores de Mata Atlântica), várias espécies de jacarandás, de canela, cedro, ipê, araribá, peroba, bicuiba e alguns pinheiros.
Autores como Lucas Alexandre Boiteux (1891-1966), Francisco Mazzola (1878-1927), Walter Fernando Piazza (1925-2016), e mais recentemente o Pe. Flavio Feller (vigário paroquial em Nova Trento), em suas pesquisas, deixaram informações importantes sobre essa prática. Serrarias movidas pela roda d’água impulsionaram atividades capitalistas às margens de rios e ribeirões ao longo da história colonial. Foram projetos modernizantes empreendidos por europeus que colonizaram as terras cortadas pelos Rio do Braço e Tijucas, e seus afluentes.
Em 1836, um inglês chamado Cristóvão Bonsfield inaugura um próspero negócio em terras que hoje fazem parte de Nova Trento. Bonsfield instala uma serraria movida a água na confluência entre o Rio Alferes e o Rio do Braço. Dois anos depois, a região seria integrada à próspera vila imperial (freguesia) de São João Batista, criada na Província de Santa Catarina em 19 de abril. Junto do inglês, trabalhadores estadunidenses o acompanhavam na manipulação das madeiras. Uma relação profissional que pode ser explicada pelo fato de muitas empresas inglesas, historicamente, terem atuado junto a americanos descendentes de colonizadores europeus na extração de madeira destinada à exportação para a economia britânica. Entre os trabalhadores dessa serraria estavam “yankees” que depois se misturaram a portugueses, italianos e caboclos que povoaram e transformaram a região.
Com a grande enchente de 1838, que causou danos não só para a serraria, mas também para o projeto colonizador iniciado por Bonsfield, o inglês transfere o empreendimento para a firma Wells, Pedrick & Gonçalves, e deixa a região. Aaron Barcker e Joseph Tucker, dentre outros colonos permaneceram para fincar raízes se misturando e constituindo novas famílias às margens do Rio do Braço. No ano de 1856, os estadunidenses inauguram nova serraria, estabelecendo negócios por intermédio de uma São João Batista ainda sob a tutela do Capitão João de Amorim Pereira. Após essa grandiosa enchente, há indícios históricos de que outros madeireiros trazidos por Bonsfield tenham requerido terras na região, como Andrew Yates, Daniel e Francisco Andersen, Henrique Crecker (que montou serraria onde hoje é o bairro com seu sobrenome). Charles King, preferiu não deixar a colonização às margens do ribeirão Alferes, e portanto, deve ter seguido servindo aos sucessores do inglês.
Muitos desses personagens e suas origens se perderam com o tempo, com seus sobrenomes, apagados por vezes, devido aos inúmeros erros cartorários. E sobre as bases estruturais que estabeleceram a serraria de Bonsfield, com o tempo foram mudando de mãos até que retornassem para o controle estatal por meio de iniciativa do último dono, Pedro Köhn. Ainda são visíveis, nas proximidades do ribeirão Alferes, na localidade de Cascata, marcas incrustadas na geografia do chamado Morro dos Canhete, vestígios daquele empreendimento que, mesmo sem alcançar inicialmente o progresso esperado, fincou raízes saxônicas no Vale do Rio Tijucas.
- Malcon Gustavo Tonino é professor, mestre e doutorando em História