Com a projeção de um crescimento mais tímido em 2023, de 1,6% em produção, a indústria calçadista brasileira está cautelosa e observando os próximos passos da economia nacional e internacional. O cenário no mercado doméstico é de desaquecimento, com endividamento recorde das famílias (80%) e inflação crescente. No âmbito internacional, o cenário não é muito diferente, com a escalada da inflação, impulsionada pelos problemas logísticos pós-Covid 19 e pelo conflito no Leste Europeu, somada ao desaquecimento de grandes economias mundiais, caso dos Estados Unidos e Zona do Euro.
A projeção da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), no entanto, é de crescimento muito acima da previsão de incremento do Pib brasileiro para 2023 (0,7%). O presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira, destaca que o setor calçadista, historicamente, cresce mais do que a economia brasileira, o que mostra a pujança de uma atividade que emprega, diretamente, mais de 300 mil pessoas em todo o País. “Será um ano de desafios, mas nada que o setor não esteja acostumado. Ao longo dos anos, passamos por crises, algumas mais outras menos graves, mas sempre saímos fortalecidos. Em 2023, as dificuldades maiores devem ser no mercado externo, sendo que as exportações devem perder espaço para o mercado interno. Em um país com um mercado doméstico como o nosso, isso está longe de ser terra arrasada”, comenta, ressaltando que os embarques devem registrar queda de 5,7% ao longo do ano (em pares).
Investimentos
Algumas empresas estão otimistas para 2023, mesmo com todos os desafios pela frente. É o caso da Calçados Gonçalves, de Rolante/RS, que no final do ano passado anunciou a compra da marca Cravo & Canela. Com uma produção de seis mil pares diários, 100% deles na modalidade private label – com a marca do cliente -, a Gonçalves cresceu 30% em faturamento em 2022. “Ano passado foi, de fato, o ano da retomada, principalmente no mercado internacional, onde comercializamos 50% da nossa produção – 95% delas para os Estados Unidos. Em 2021, ainda sentíamos os efeitos da Covid-19 e o mercado ainda estava receoso”, conta o diretor da empresa, Ademir Gomes Gonçalves.
Com a aquisição da marca Cravo & Canela, a Calçados Gonçalves espera seguir em crescimento em 2023. O empresário conta que ao longo do ano corrente será realizado um planejamento da nova marca, com adequações no perfil dos consumidores. “Em 2023, nossa projeção é de crescimento de 10% sobre 2022, que foi um ano muito bom. Mas, será a partir de 2024, com a marca própria adequada, que esperamos crescer mais, em torno de 30%. Em 2023 e 2024, planejamos investir mais de R$ 15 milhões em estrutura, desenvolvimento de marca e tecnologia”, projeta Gonçalves.
Adaptação
O diretor da Randall, de Nova Serrana/MG, Pedro Gomes da Silva, revela que o ano de 2022 foi de crescimento expressivo para a empresa, que passou de uma produção de 372 mil pares, em 2021, para mais de 554 mil pares produzidos, um incremento produtivo de quase 50%. Segundo ele, os desafios de 2023, que não são poucos, ensejam mudanças, adaptações para os calçadistas. “Agora precisaremos ir ao mercado vender. Em 2022 fomos – muito – comprados”, afirma o empresário, ressaltando que, no ano passado, em agosto, empresas do polo mineiro já tinham vendas até o final de dezembro.
Exportando cerca de 2% da produção para países da América Latina, nos próximos anos, a Randall buscará aumentar a presença internacional. “Nossa meta é fechar em 10% para exportação. Sabemos da importância do nosso mercado interno e por isso não queremos aumentar muito mais essa fatia”, diz. Para Silva, 2023 será um ano para manter as conquistas de 2022. “O cenário não está tão positivo, percebemos que os lojistas estão mais receosos. Por exemplo, nesta fase do ano já teríamos 30 mil pares em fevereiro, mas estamos com 12 mil”, revela o empresário.
Cautela
Outra empresa que está cautelosa com as projeções é a Redeplast, de Novo Hamburgo/RS. Segundo os diretores da indústria, Juliano Martins e Maurício Martins, após crescer cerca de 50% nos dois últimos anos (35% em 2021 e 15% em 2022), impulsionados, principalmente, pelas exportações, a empresa trabalha para manter os números positivos ao longo do ano corrente. “Sentimos que o comprador está mais cauteloso, principalmente no e-commerce. Na pandemia, ocorreu um boom das vendas on-line, mas que caiu rapidamente assim que abriram as lojas físicas. Algumas empresas pensaram que íamos seguir assim. Foi um erro de planejamento por parte de alguns empresários, que agora estão sofrendo com estoques elevados”, opina Juliano Martins. A exportação, segundo ele, deve seguir crescendo de importância, embora o cenário internacional se mostre ainda mais desafiador para a empresa.
Entre os principais desafios para a atividade nos próximos anos, o empresário destaca o aumento dos custos com insumos, provocados pela alta inflação internacional, e o aumento dos custos logísticos, com fretes. O cenário de incertezas também fez com que a empresa colocasse o pé no freio com relação aos investimentos. “Viemos investindo bastante nos últimos dois anos. Para 2023, no primeiro semestre não temos previsão. Conforme for o andamento, iremos voltar a investir a partir da segunda parte do ano”, conta Juliano Martins, ressaltando que a empresa, que hoje produz 17 mil pares de calçados diariamente, tem capacidade para produzir 26 mil. “Temos espaço para crescer”, conclui.