Cristiéle Borgonovo
Jogue suas tranças, Rapunzel. Ah, não, ela não é a Rapunzel. Afinal, precisaram se passar 72 anos desde a criação da primeira princesa dos estúdios de Walt Disney, a Branca de Neve, em 1937, até o lançamento de um filme com uma protagonista negra, Tina, de A Princesa e o Sapo (2009), também do mesmo estúdio.
Nesta semana, na quarta-feira, 20, em alusão ao Dia da Consciência Negra, que se tornou feriado nacional pela primeira vez em todo o país, o jornal Correio Catarinense traz a história da trancista Bruna dos Santos de Souza, 23 anos, que encontrou na arte de trançar fibras sintéticas de jumbo nos cabelos, um meio de enaltecer a força de sua bagagem ancestral.
Bruna nasceu em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Em 2009, mudou-se com a família para São João Batista. Filha do casal Dirceu Pereira de Souza e Carla Geovana dos Santos, ela é a filha do meio entre três irmãos.
Ela conta que as tranças entraram em sua vida após sofrer bullying na escola por ter cabelo afro. “Foi um período muito triste, pois eles faziam piadas, e isso mexia muito com a minha autoestima. Foi um processo bem doloroso”, revela. A trancista também relata que até mesmo algumas professoras chegavam a fazer comentários maldosos sobre seus cabelos.
No entanto, em casa, nunca faltaram amor, carinho e informações sobre a beleza da pele negra, dos traços e também dos cabelos. “Um certo dia, sonhei que tinha tranças longas e lindas. Estava radiante, pois me sentia muito bonita”, diz. Ao acordar, contou para a mãe sobre o sonho, e juntas procuraram a trancista mais próxima. Porém, os contatos e anúncios de profissionais estavam apenas em Florianópolis. Como o custo não era acessível para a época, além do deslocamento e da manutenção, no primeiro momento não conseguiram realizar o sonho.
Após muitas pesquisas, encontraram formas de fazer as tranças com linha de crochê, o que barateava o custo, além de evitar o deslocamento. “Ficou muito bacana, e aí as outras meninas começaram a ver, a gostar e pediam para eu fazer nelas também”, lembra.
Com a chegada da pandemia no Brasil, em 2020, Bruna percebeu que não havia trancistas na cidade. Ela precisava gerar uma fonte de renda e já tinha experiência. Foi assim que começou a trabalhar como trancista. Depois de passar por outros salões, em 2024 ela abriu seu próprio espaço, na Avenida Deputado Valério Gomes, no Centro de São João Batista, no segundo piso, anexo ao Posto de Combustíveis Sonho Meu.
Estilos de tranças
Bruna trabalha com técnicas como Box Braids, Gypsy Braids, Goddess Braids e trança Nagô. A jovem conta que atende suas clientes com exclusividade e que há trabalhos que podem durar até oito horas de execução em uma única cliente. “Recebo clientes de toda a região, desde o Vale do Rio Tijucas, Costa Esmeralda e Vale do Itajaí. Já aconteceu de uma cliente sair do Rio Grande do Sul e vir até aqui para fazer as tranças comigo, e isso me deixa muito feliz”, revela.
Ela é graduada em Educação Física e exerce a profissão de educadora no Sesc de São João Batista. Por ser comunicativa e adorar as redes sociais, utiliza essas plataformas também para divulgar seu trabalho como trancista, complementando a renda com a promoção de lojas e ações de marketing.
Na linha tênue do entrelaçar das tranças, Bruna destaca a beleza de mulheres e homens, resgata a ancestralidade, aflora o sentimento de autocuidado e contribui para a reconstrução da autoestima das pessoas que enfrentam o preconceito.
As tranças já foram utilizadas como ferramenta de sobrevivência durante o período da escravidão. Hoje, elas representam resistência, força e também geram economia para quem domina a técnica.
Sobre a data
O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro em memória de Zumbi dos Palmares, um dos maiores líderes da resistência negra contra a escravidão no Brasil. Além de promover o debate sobre o racismo no país, a data também visa valorizar a cultura e as raízes da população negra. Pela primeira vez, o dia é comemorado como feriado nacional, por meio da Lei 14.759/2023, sancionada pelo presidente da República.