Dr.Wilian Duarte da Silva
De todos os acontecimentos da vida, o tempo registra tudo calado. Já as pessoas vão transmitindo na sua trajetória de vida, o que sabem. Se não escreverem ou registrarem o que sentem ou sabem, os fatos se perderão da memória, ao longo do tempo. Como o tempo é eterno e a vida curta e imprevisível, é importante registrar esses episódios, escrevendo.
Por isso, vou tentar contar um pouco sobre a construção da Casa Benjamim Duarte e outros dados históricos.
Antes, devo dizer, se a casa não permanecesse de pé, os prejuízos seriam das gerações futuras, mas os escritos ficariam eternizados e arquivados em algum lugar, para lembrar aos batistenses (descendentes) que alguma coisa aconteceu de importante no passado e fez parte da sua história.
A casa é de 1925, não de 1920 ou 1930, como constam de outros escritos. Está encravada em terras, cujo primeiro registro cartorário é de 1936, sob o n.2.465 (Tijucas) e o último, de n. 19.137 (SJBatista).
Quem me dera saber tintim, por tintim, sobre a construção dessa casa de 96 anos e que mede mais ou menos 500 metros quadrados.
Quem me dera saber, como pensavam os trabalhadores da obra, principalmente, o pedreiro e o carpinteiro, de uma construção tão grande.
Que tamanho absurdo? Para um lugar sem ninguém.
Talvez, a admiração ou fascínio, não fosse só pela grandeza da casa, mas também, por sua divisão ou quantidade de dependências.
Para que serviriam tantos espaços?
Muitos filhos!
Empregados!
E, tamanha construção?
Se o lugarejo era tão pequeno!
E a venda de secos e molhados, grande ou pequena?
Para uma população diminuta.
Não imaginariam que a obra depois de quase cem anos, seria tombada, por sua relevância histórica, sendo merecedora de proteção e administrada por uma legislação específica – bens tombados. Sendo ainda, motivo de discussão e revitalização. E mais, não supunham que permaneceria para posteridade (postemporibus), como testemunha viva do seu tempo e fazendo parte da história da cidade.
Por que um jovem recém-casado, se dava ao prazer ou luxo de construir uma enorme casa, com muitas divisões?
Tantos complementos, quartos, salas, varandas, áreas de lazer, cozinha, banheiro e outros espaços?
Possivelmente, a quantidade de divisões ou subdivisões, não se encaixassem no imaginário dos obreiros e de curiosos que por ali passavam. Não pressentiam que a casa abrigaria seguidamente, numerosa família. Seria centro de forte e intenso comércio e palco de grandes acontecimentos.
Hoje, perguntam, quem foram esses construtores de noventa e seis anos atrás?
Foi o famoso pedreiro Francisco Cadorin, papa da construção civil do século passado. Construtor do Santuário Nossa Senhora do Bom Socorro, em 1906, situado no morro da cruz, em Nova Trento. Enquanto, o carpinteiro era o neotrentino Augusto Cipriani, afamado em construções de pontes de madeira. Foi o construtor da ponte de madeira coberta de zinco, no centro da cidade, em1921.Primeira ponte de madeira construída sobre o rio Tijucas.
Tenho vaga recordação, que a pintura nas salas principais (visita e jantar), era em tinta óleo, com destaques nas paredes, de autoria do artesão Marçal Tirloni, de Nova Trento.
Observa-se, logo depois dessa época, Benjamim Duarte, largou as lides campesinas, mudou sua logística de trabalho e cedeu em arrendamento suas propriedades agrícolas a diversos arrendatários.
Tornou-se comerciante, político, Intendente Distrital (1927/1951) e Subdelegado de Polícia de 1934/1950 (não se tem data precisa, deste período). Sabe-se que perdurou durante todo tempo da segunda guerra mundial, 1939/1945. Contam, descendentes italianos, que nesse tempo, como autoridade policial, era fervoroso protetor dos imigrantes. Ah! O Brasil fazia parte do bloco que guerreava contra a Itália.
Depois da sua mudança para outras atividades laborais, passou a participar da vida social e de acontecimentos importantes do município Tijuquense. Entre muitos, faço lembrar, sua participação no banquete pela inauguração da Ponte Bulcão Viana, em Tijucas, em 20 de abril de 1930. Afirmando o escritor José Ângelo Ribeiro, a presença de Benjamim Duarte “ num suntuoso jantar em homenagem a Bulcao Viana e sua comitiva, no moderno e confortável Cine Teatro Municipal Manoel Cruz, recentemente inaugurado” (1925). Escrevendo ainda, “depois do jantar, houve um baile com a presença de 100 pares”, (do livro – As Villas de Thomaz Francisco Garcia de Camboriu, seu povo e suas relações com Santa Catarina e o Brasil, pgs.236/238). Dr.Bulcão Viana, estava no governo do estado, na ausência do Governador Adolpho Konder.
Homem íntegro, magro, estatura baixa, moreno, voz amena, sorriso aberto e de bom relacionamento.
Era Benjamim Duarte da Silva casado com Damásia Maria da Silva, no ano de 1920.
A casa que lhe serviu de residência e comercio, não era qualquer construção, para sua época. Com certeza, um visionário do seu tempo. Espelhou-se ou inspirou-se, em construções de estilo português.
Carrego ainda na lembrança, apesar dos meus 86 anos de idade, que o assoalho era de madeira, pregado em barrotes de canela. Nas laterais da casa, haviam duas pequenas aberturas em forma de arco, que permitiam acessos a parte subterrânea e serviam também, de ventilação. Nesse lugar escondido, debaixo da casa, ia colher ovos, quando criança, a mando de minha mãe Damásia Maria da Silva. Nessas buscas ou idas, por seus confins, admirava e observava a sua fundamentação, a largura da construção das paredes. No meu imaginário de criança, de conhecimento nenhum sobre arquitetura, engenharia e construção civil, as paredes da parte térrea, deviam medir uns 50 (cinquenta) centímetros de largura, por toda sua extensão. A conferir. Observava que essa sustentação era composta de pedras e de grandes tijolos maciços, argamassados em óleo de baleia. Há quem afirme, ter sido adicionado 30 sacas de cimento oriundas da Inglaterra, adquirido da firma Carlos Hoepcke, de Florianópolis.
A casa ostentava na lateral esquerda, de frente a fundos, espaçosa varanda com bancos de madeira e cadeiras de balanço, onde normalmente se descansava, após o almoço.
Relembro que a varanda ou área de estar, dava acesso a duas salas, uma de visita e outra de jantar. Lindas, com trabalho de madeira em relevo no teto. Há poucos metros da entrada, parte externa, via-se um belíssimo pé de cerejeira. Na sua lateral, um ornamentado jardim, com pés de camélias, copos de leite, lírios, rosas diversas e tantas outras flores. E, mais distante, grande chácara, com muitas laranjeiras, abacateiro e quintal com variedades de verduras.
Da cozinha, entrava-se na sala de jantar. Desta, seguia-se para outras divisórias da casa. Pelo lado direito, acessava-se primeiramente a área de lazer ou varanda. Seguidamente, por um curto corredor, chegava-se ao quarto de meus pais e a sala de visita. No centro, o quarto do meio ou quarto escuro, assim chamado. Pelo lado esquerdo, haviam dois quartos, um contiguo a varanda, e outro, num corredor que dava acesso à venda. Por este, chegava-se também, a uma pequena sala, onde existia uma escada fixa de madeira, que conduzia ao sótão. Essa sala funcionou como primeiro escritório da Usina de Açúcar Dona Francisca (1944/1948). O nome da empresa, foi homenagem de Benjamim Duarte à sua amiga, cujos familiares residiam na localidade de Colônia Nova Itália (família Angeli). Mais tarde, a passou a se chamar Usati S/A.
Na frente da casa, junto a estrada de rodagem (sem denominação), estava o comércio de secos e molhados.
O sótão era totalmente de madeira, tendo dois quartos e sala ampla. Tenho a impressão, de serem os esteios de apoio da parte superior, em madeira de lei fraquejada.
É pouco, o que tenho a contar sobre a originalidade da casa, me reportando ao tempo de criança (8 a 12 anos).
Pequeno relato.
Em 15 de julho de 2021.
Foto: Wilian Duarte – 30-07-21