Malcon Gustavo Tonini – Professor e Mestre em História
A presença negra durante a colonização em São João Batista merece um estudo amplo sobre o assunto, pois poucas fontes nos contam sobre. No século XIX,muitos engenhos exploraram a mão-de-obra escravizada, e também no trabalho agrícola e nas serrarias. Um grande afluxo de escravizados foi enviado junto aos primeiros núcleos de povoamento às margens do Rio Tijucas, sendo a maior parte deles destinados a produção de açúcar e farinha de mandioca. Muito desses produtos acabavam embarcando do litoral catarinense com destino ao Rio de Janeiro, grande centro econômico do país, e fornecedor de mão-de-obra africana escravizada para Santa Catarina. Em meio a essas transações comerciais, negociantes de São João Batista trocaram produtos locais pela ampliação da população escrava em seus empreendimentos. O nome desses senhores escravistas, muito evidenciados pela historiografia local, facilmente, são encontrados nos escritos de Darci de Brito Maurici e de Vanderlei Rouver.
As famílias afazendadas nessa região, na maioria de lavradores, tinham em geral, um ou dois cativos. A aquisição da mão-de-obra escrava se dava, provavelmente, por intermédio dos mesmos comerciantes para quem vendiam seus excedentes. Em São João Batista, a escravidão adota a forma doméstica, na qual as relações se davam nos espaços de sociabilidade da casa, do trabalho e da rua, mas nem por isso, há garantias de que essas relações não eram de alguma forma violentas. Algumas famílias, que empreendiam na produção de açúcar, geralmente com mais recursos (sociais, poíticos e econômicos), estruturavam suas roças em extensões rurais mais consideráveis, e por isso, nessas propriedades o número de cativos chegava a quinze ou vinte, divididos em várias funções. Os negros João, Antônio, Vicente, Joaquim, Felisbino, Custódio, Lourenço, Euzébio, Cristóvão, Fabrício, Boaventura, Marcos, Martim, Isidoro, Mariano, Adão, Mariano, Francisco, Justino, Miguel, Julião e Francelino, e as negras Lúcia, Alexandra, Prudência, Helena, Rita, Faustina, Maria, Emília, Martinha, Salomé, dentre tantos/as, foram escravizados/as em São João Batista e conduzidos/as nessa condição, por uma política senhorial de controle e domínio, e por estratégias que os faziam reconhecer a autoridade nos escravistas, ou pela pedagogia da força, ou pela distribuição de concessões parentais.
No passado colonial de São João Batista, muitos compartilharam, em diferentes épocas, de uma mesma visão racista sobre os quejulgavam serem desiguais.Uma teia de mediações sociais, preconceituosas, permeou e influenciou diretamente a vida de muitas pessoas. Aquela sociedade foi pensada e realizada para mostrar que poucos personagens detinham o poder e o saber, e esses sendo apresentados estando fora e acima da sociedade. A inferioridade de negros, como também de mulheres, indígenas e da maioria dos imigrantes e migrantes que viveram o povoamento das margens do Rio Tijucas era posta como natural.
Apesar de em 1840,e nos anos posteriores, haverem registros de pelo menos 190 pessoas de descendência ou origem africana, escravizados/as na freguesia de São João Batista, o que sabemos sobre eles se atém a descrições sobre quem os possuíam e sobre negociações sobre essas propriedades. Por isso, é importante, que na atual conjuntura social, ao se mencionar essas relações, se questione as desigualdades raciais e que, se apresente a população de origem africana para além da escravidão, humanizando e evidenciando modos de vida estruturados a partir de necessidades diversas de resistir e existir ao sistema ocidentalizado. Os que foram escravizados em São João Batista, e seus descendentes, viveram cada um ao seu modo, tentando superar o cativeiro, o preconceito, o racismo, resistindo e lutando, fosse por liberdade ou por simplesmente melhores condições de trabalho, moradia, alimentação e saúde.
A Consciência Negra nos faz lembrar que todos os grupos humanos que participaram em algum momento do passado do município, participaram da sua colonização e formação. Não foi apenas um grupo seleto de “fundadores”, mas também de muitos sujeitos anônimos,que vivenciaram situações diversas, experiências distintas, estiveram nas dificuldades e nas angústias, e se fizeram presentes nas esperanças, conquistas e construções enquanto São João Batista transcorreu sua História. A escravidão, presente novilarejo do Capitão Amorim e na Colônia Nova tália, possui uma marcahistórica de mais de 350 anos no Brasil,e foi abolida definitivamente em 1888, com a assinatura da Lei Áurea.