Malcon Gustavo Tonini – Professor e mestre em História
A independência do Brasil, que no próximo dia 7 de setembro completa seu bicentenário, é um acontecimento repleto de personagens fascinantes em que os papéis de heróis e vilões se confundem e se sobrepõem o tempo todo. É o caso do escocês Alexander Thomas Cochrane, fundador e primeiro almirante da Marinha de Guerra do Brasil, e de José Bonifácio, celebrado e considerado por muitos o Patriarca da Independência. Mas sem dúvida, D. Pedro I, o príncipe romântico e aventureiro, que fez a independência do Brasil aos 23 anos e sua princesa Leopoldina, são de um perfil dificílimo de decifrar e de separar o ser humano por trás do mito. Estes aparecem sempre como heróis nacionais.
A propósito do BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, em parceria com o Correio Catarinense, publicaremos uma série de artigos jornalísticos, visando apresentar essa história e seus personagens. No texto de hoje, fundamentado na obra do escritor Laurentino Gomes, vamos conhecer mais sobre o príncipe D. PEDRO I, que ajudou a criar nosso país, que tinha tudo para não dar certo:
Ele é o PRIMEIRO IMPERADOR DO BRASIL e o 29° rei de Portugal, D. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, viveu pouco, apenas 35 anos. Nasceu em 12 de outubro de 1798 no palácio de Queluz, 15 quilômetros ao norte de Lisboa, no mesmo quarto em que haveria de morrer mais tarde.
Pedro fez a independência do Brasil com 23 anos, e dez anos mais tarde, estava em Portugal colhendo os louros da vitória contra o irmão, D. Miguel, que havia usurpado o trono e mergulhado o país em longo período de terror e perseguições. Nesse meio tempo, abdicou de duas coroas, a portuguesa em 1826, e a brasileira em 1831. Recusou outras duas: a da Espanha e a da Grécia. Por onde passou despertou ódio e paixões com igual intensidade. Deixou para trás um rastro de luz que ainda hoje os estudiosos se esforçam por decifrar.
D.Pedro considerava Napoleão Bonaparte o “maior herói da História”, e como seu ídolo, exerceu o poder com mão de ferro e não hesitou em demitir, prender, exilar e reprimir todos os que ousaram contrariar suas vontades. Foi um monarca de discurso liberal e prática autoritária. “Tudo farei para o povo, mas nada pelo povo”, afirmou certa vez. Em 1823, dissolveu a assembleia constituinte, que ele mesmo convocara, porque ela não se curvou as suas exigências. No ano seguinte, porém, outorgou ao Brasil uma das constituições mais liberais da época e até hoje a mais duradoura na história do país.
Pedro era um homem moreno, alto, de estatura acima da média, ombros largos, cabelos encaracolados, bigodes e costeletas fartas. No rosto se destacavam os olhos negros e brilhantes. A pele era levemente marcada pelos sinais da varíola, doença a qual sobrevivera na infância. D. Pedro herdou de seu pai, D. João VI, a paixão pela música, mas ao contrário dele, tomava banho e se exercitava com regularidade. Hiperativo, acordava às seis horas da manhã e ia dormir às 11 horas, galopava de manhã de São Cristóvão à igreja da Glória para ouvir a missa, voltava ao palácio e almoçava às nove horas e jantava as quatorze. Seu prato preferido era um pedaço de carne gorduroso com arroz, batata e abóbora.
Pedro evitava delegar tarefas importantes a ministros e assessores, por isso fazia sozinho a inspeção de navios no porto do Rio de Janeiro, visitava fortalezas, conferia pessoalmente se funcionários públicos trabalhavam direito, supervisionava as cavalariças do palácio, e se imiscuía em questões apequenadas perante sua importância e cargo que ocupava. D. Pedro tinha agenda lotada, mas ainda encontrava tempo para suas famosas escapadas amorosas, que muitas vezes invadiam a madrugada.
Mesmo nascido em uma família real, D. Pedro mantinha negócios paralelos, que não combinavam com a função de Imperador. Na juventude, D. João VI, seu pai, o repreendeu ao descobrir que comprava cavalos comuns no Rio de Janeiro, marcava-os com o selo da Fazenda Real de Santa Cruz e os revendia por um preço muito maior para as pessoas que queriam ostentar proximidade com a corte. D. Pedro se dedicava a outras atividades lucrativas, como a fabricação de cachaça que era comercializada nos botequins cariocas; arrendava os pastos da Real Fazenda para descanso do gado que descia de Minas Gerais para o Rio de Janeiro; e seus escravos cortavam o capim da fazenda e vendiam pelas ruas da cidade.
Pedro se assemelhava à mãe, Carlota Joaquina, era impaciente com as regras e restrições do cerimonial da corte. Adorava cavalgar e disputar corridas de carruagens. Gostava de jogatina, mas era mau perdedor. Mas seu espírito indomável acabava abatido apenas pelos ataques de epilepsia, doença esta que faz a pessoa perder os sentidos e se debater em convulsões.
Cartas e bilhetes escritos por D. Pedro e ainda preservados, revelam que tinha domínio precário sobre a língua portuguesa, há erros de ortografia, concordância e falta de pontuação. Tudo isso contribuiu para que D. Pedro passasse para a História, como um soberano iletrado e sem educação. Mas há certa inverdade neste fato, pois era inteligente e voluntarioso, de uma assombrosa versatilidade, instintivo, decidido, corajoso e suas leituras incluíram obras de propagadores de ideias políticas do começo do século XIX, além de ter lido obras de Voltaire, pai da Revolução Francesa. D. Pedro foi educado por cinco Padres Jesuítas, estudou latim, francês e inglês. A obra musical de D. Pedro I ainda hoje surpreende os especialistas, com destaque para os acordes que compôs para o Hino da Independência, isso devido principalmente a uma educação esmerada, que inclui a participação de maestros e compositores.
A vida privada de D. Pedro foi intensa e tumultuada. Embora não bebesse, gostava de farras, noitadas, amigos de má reputação e em especial, das mulheres. Seu principal parceiro nas aventuras públicas e privadas foi o português Francisco Gomes da Silva, o “Chalaça”, um dos personagens mais memoráveis da história brasileira, este, era dono de várias casas noturnas no centro da cidade, frequentadas por prostitutas, vagabundos e marinheiros.”Chalaça” se tornou o alcoviteiro do príncipe nas suas escapadas sexuais, depois que o defendeu em uma briga de bar, se tornando o grande amigo de D. Pedro.
Nos dois casamentos oficiais, D. Pedro teve oito filhos, sete com Leopoldina e um com Amélia. Fora do casamento o número é lendário, com alguns cronistas lhe atribuindo mais de 120 rebentos ilegítimos. A lista conhecida dos bastardos inclui quatro com Domitila de Castro Canto e Melo a marquesa de Santos, um com a irmã da marquesa, uma com uma bailarina, um com uma francesa casada, um com a sobrinha de um dos amantes de sua mãe, Carlota Joaquina, e mais um, o último, nascido em 1832, já depois da abdicação do trono brasileiro, com uma freira.
Pedro ao morrer, em 24 de setembro de 1834, duas semanas antes de completar 36 anos, deixou como sucessores dois soberanos em cada margem do Atlântico. Em Portugal, a filha mais velha Maria da Glória foi coroada com o nome de D. Maria II, e no Brasil, o filho Pedro de Alcântara, que assumiu o trono em 1841 como D. Pedro II.