Malcon Gustavo Tonini
Professor e Mestre em História
O ano era 1969, o Brasil enfrentava a institucionalização de um regime ditatorial com a consolidação do militarismo no país e a eliminação do que restava das liberdades públicas e democráticas. Foi nesse contexto, que a personagem principal dessa história, uma jovem de apenas 16 anos, passou a integrar um conjunto musical formado integralmente por homens, em uma cidade do interior de Santa Catarina, de maioria católica e conservadora.
Em pequenos municípios, ainda é comum se ouvir dizer que determinadas atividades são “coisa de mulher”. A imigração europeia trouxe para o Brasil, uma imagem do feminino ligada aos afazeres domésticos, e mesmo com a passagem do tempo, entre as décadas de 1960 e 1980, a mulher só podia ser mãe, irmã, filha, religiosa, mas nada além dos papéis atribuídos a figura feminina no passado. Mulheres sempre foram fisicamente visíveis, mas invisíveis historicamente, homens e mulheres ao longo do tempo foram apresentados em papéis normativos, mas Hilca Maria Merizio, em sua juventude, nunca se preocupou, ou se deu conta disso. O papel que decidiu escolher, vivendo na arte, não era aquela que o contexto político em que vivia esperava, e por isso, sua postura libertária se tornou para muitas pessoas algo ameaçador, e que precisava ser combatido e interditado. Pregação conservadora e tradicionalista.
A menina adorava cantar, e as pessoas que puderam vê-la em performance, perceberam isso. A jovem ingressou, mesmo com resistências, no Grupo Musical “Os Italianinhos”, depois “Batusquelas”, após o empresário da banda ter cedido a um pedido da menina. Hilca, que tinha paixão pela música, encantou a Banda, logo na primeira música. Os Batusquelas fizeram shows, aos finais de semanas, por toda região da Grande Florianópolis durante as décadas de 1960 e 1970, o que segundo Hilca: “Foi uma época maravilhosa!”. Hoje, prestes a completar 70 anos, a fã de Rita Lee, uma artista que diziam “atentar contra a moral e os bons costumes”, sofreu preconceitos nesse período, por ser considerada ameaçadora como ela. Mesmo sem saber, seu comportamento evidenciado por ser interprete de um conjunto musical popular na região em que vive, em lugar “reservado” a um homem, sofreu repressão.
A história da vocalista, dos Batusquelas, contribui para uma prática histórica em que as mulheres são posicionadas, em um passado que renegou sua importância, advogando por uma sociedade mais equânime e justa. A voz de Hilca dá voz a muitas mulheres que foram apagadas da história local. Além disso, elucida que nem toda mulher que de alguma forma sofreu repressão ou foi violada em seus direitos, naquele tempo, se envolveu de alguma forma em movimentos organizados de oposição ao regime. Muitas mulheres, como a nossa personagem, não sabiam o que era uma ditadura militar, não imaginavam que tinha efeito sobre sujeitos comuns e até mesmo não se importavam com o que estava acontecendo ao seu redor. Política não era “lugar de mulher”. Um fato importante, a se destacar, é que a jovem Hilca não tinha conhecimento sobre o momento histórico que viveu, não sabendo que fazia parte de uma sociedade conservadora. Não conseguiu perceber, que vivia um tempo que definia funções claras para homens e mulheres, que impedia discussões de gênero e colocava sempre em protagonismo os masculinos. E mesmo assim, promoveu uma revolução que devemos festejar!
A Banda “Os Batusquelas” tem suas origens em Nova Trento, atuando entre as décadas de 1960 e 1970. Seu empresário foi Célio José Valle e teve entre seus integrantes, além da vocalista Hilca Maria Merizio, o tecladista José Domingos Bertotti; o baterista Rosimar Orsi; o guitarrista Maurilo Marcos Mazzola; o contrabaixista Luiz Smaniotto e o saxofonista Ludovico Francisco Cadorin.