Alessandra Destro Pizzigatti – Budista
1 – Como entender este momento histórico sob a ótica da Ciência, da Ecologia e da Religiosidade?
Lama Samten – O Buda fala essencialmente nas Quatro Nobres Verdades e então nós entendemos a existência do sofrimento. Não temos controle sobre as coisas, pois elas se desenvolvem para além das nossas aspirações e das nossas vontades. A existência do sofrimento é o fato de que isto não acontece uma ou outra vez, mas este é o ambiente onde a vida surge e onde a vida se manifesta. Então não temos como controlar isto e todos os seres estão imersos neste tipo de situação.
Por outro lado, o Buda mostra como esta situação é construída por visões que nós desenvolvemos e por bolhas de realidade que constroem estas visões. Dentro destas bolhas nós temos aspirações, referenciais e limites que nós mesmos estabelecemos e estas condições fazem surgir o que nós chamamos de sofrimento. Mas o Buda explica também que nós não somos isto que surge. Nós somos aquilo que cria o que surge. Esta é uma postura muito profunda e nos ajuda a compreender que este aspecto que cria não cessa. Quando nós dormimos à noite, por exemplo, este aspecto que cria segue criando.
Produz os nossos sonhos, produz a aparência dos sonhos. No budismo se diz que a própria vida é uma manifestação de sonho também. Então nós percebemos que aquilo que chamamos de vida, o nosso ambiente ao redor, nós criamos constantemente com os nossos olhares, produzimos aparências e damos significado a estas aparências. E estes significados mudam o tempo todo. O Buda diz que nós efetivamente estamos além do sofrimento. Temos a possibilidade de entender que a nossa vida se dá além das construções, antes das construções e independente das construções. Esta vida mais profunda está isenta do sofrimento.
Sob o ponto de vista da Ecologia entendemos que, de fato, há uma interdependência muito, muito próxima entre todos os seres. Estes outros seres – neste caso os vírus – terminam se manifestando e impactando a vida no planeta como um todo. Na medida em que impactou os humanos houve uma mudança muito grande: a atmosfera melhorou, os mares melhoraram… tudo foi melhorando e houve uma transformação incrível. O surgimento de um vírus que até recentemente não existia acabou produzindo esta enorme alteração. Isto nos ajuda a compreender como a vida toda é profundamente inter-relacionada.
Não apenas os animais grandes, as plantas grandes, os ecossistemas complexos, mas também este aspecto de que temos mundos macroscópicos ou microscópicos inter-relacionados não apenas entre si. Ou seja, também seres microscópicos podem produzir grandes alterações no macro. Isto é muito notável. Muito extraordinário. Eu lembro do (ecologista) José Lutzemberger dizendo que nós podemos cortar uma teia de aranha em vários pontos, mas, de repente, quando nós cortarmos um determinado ponto a teia entra em colapso. É muito especial a gente entender que nós seres humanos estamos mais e mais frágeis, dependendo de algumas poucas ligações. Na medida em que estas ligações são afetadas, a sociedade como um todo pode repentinamente se tornar inviável.
Neste momento também nos tornamos mais conscientes da importância da Ciência. Há pouco tempo algumas pessoas estavam falando muito mal da Ciência, produzindo imagens retrógradas, e agora todos nós nos voltamos melhor para a Ciência para entender sobre o que está acontecendo. Eu vejo que a espiritualidade no budismo dialoga perfeitamente com a Ciência. O budismo tem uma abordagem investigativa prática de como a gente pode ver as realidades como elas são.
2 O senhor acredita que estaremos dando algum tipo de salto de civilização ou tudo tenderá a se acomodar como era antes?
Lama Samten – O mundo nunca anda para trás. Na visão budista nós fazemos as construções a cada dia e estas construções acontecem a partir da experiência condicionada que tivemos um pouco antes. Então, com esta experiência condicionada da própria pandemia, é inevitável que a realidade adiante seja construída tendo por base também esta experiência. Entre os aspectos que me parecem mais notáveis está o fato de sentir que a gente consegue parar o mundo por um tempo.
E percebe que, parando a atividade humana no nível que ela vinha acontecendo, a natureza toda agradece. O ar melhorou, a água melhorou, os animais melhoraram. Tudo melhorou na natureza na medida em que os seres humanos reduziram seus impactos simplesmente ficando mais em casa. É muito extraordinário reconhecer isto. Esta experiência nos permite entender que o mundo pode ser parado e profundamente transformado.
Uma experiência coletiva planetária de transformação nos nossos cotidianos, nas nossas vidas. É um experimento maravilhoso que nos impacta no sentido de pensarmos que hoje nós paramos pelo coronavírus, mas amanhã podemos fazer grandes movimentos coletivos, planetários cujo objetivo seja justamente reduzir nosso impacto, viver de outro modo. E nos permite ainda lidar com a crise que já estávamos vivendo: a crise ecológica. A crise de destruição do planeta.
Vejo que neste momento nos empoderamos para poder fazer estas transformações. Mas quando a gente pensa em construir outras realidades, imediatamente nos damos conta de que a estrutura econômica do mundo, da forma como hoje está estabelecida, não dá conta disto. Porque há um número muito grande de pessoas que estão alijadas do processo de receber as bênçãos naturais. Não têm acesso à riqueza natural que se espalha pelo sol, pela água, pela terra. Eles vivem dos fragmentos liberados pelas pessoas que já têm este acesso. Então não acho que seja possível continuarmos com esta limitação de um número restrito de pessoas e/ou grandes empresas acessarem todas as bênçãos que vêm da água, sol, calor, terras férteis, rios e dos mares, enquanto um número muito grande de pessoas não têm este acesso. Se pensarmos em uma sociedade mais ecológica e mais equilibrada, esta “Economia da Exclusão” – em que poucos têm acesso às riquezas e outros apenas um acesso marginal – não terá como dar conta dos seres humanos. Com certeza nós vamos ter transformações sociais super importantes. Então vamos aprender que a redução da atividade humana vai exigir uma reorganização política, social e econômica. Vai exigir uma nova estruturação da sociedade baseada na Ecologia e no benefício aos seres humanos e não no modelo desenfreado da Economia Financeira.
PADMA SAMTEN é lama budista. Fundou e dirige o Centro de Estudos Budistas Bodisatva, em Viamão, RS e também em Canelinha, SC. O templo do CEBB Mendjila fica na rua Regina B. Clemer, número 2400, no Bairro India. Este Templo foi inaugurado em 02 de novembro de 2015.
Em virtude da Pandemia, estamos mantendo os encontros de estudos, meditações e cursos, online. Se quiser participar, será uma alegria, por favor, entre em contato conosco para receber o link de acesso . Contato whatsapp: 48 9 9140 30 32
Que muitos seres possam se beneficiar!