O advogado batistense Nelson Zunino Neto, 48 anos, laçou o livro Tempo Mínimo de Propaganda Eleitoral em Rádio e TV – por um jogo justo, pela editora Habitus. Ele exerce a profissão há mais de vinte anos, é graduado em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (Furb), pós-graduado em Direito Ambiental (Cesusc), Direito Eleitoral (IDDE) e pós graduando em Direito Eleitoral e Político (Cers).
Casado com a estilista Suziani Zunino, com quem tem uma filha, Ana Santana Zunino, 19, já participou ativamente da política partidária, mas atualmente tem se dedicado à advocacia.
Com experiências tão diversas quanto ter sido radialista, policial militar, membro da Justiça Desportiva e fundador de movimento para ensino da língua portuguesa a estrangeiros, Zunino recentemente aderiu às corridas de rua. Inclusive, já participou de duas São Silvestre e de uma maratona.
Em entrevista ao jornal Correio Catarinense, ele conta um pouco sobre o livro e dos seus planos.
1 – Correio: Como surgiu a ideia do livro?
Neto: Em 2018 fui presidente estadual da Rede Sustentabilidade, e viajando pelo estado, em contato com as lideranças, ouvi muitas reclamações a respeito das restrições da propaganda eleitoral, principalmente para partidos pequenos. Então comecei a estudar o tema.
Hoje já não sou mais filiado à Rede, mas continuei pesquisando e verifiquei que não havia na doutrina uma abordagem do tema. Para se ter uma noção, na última eleição presidencial, dez dos treze candidatos tinham tempo inferior a um minuto de propaganda em radiodifusão (rádio e TV). Assim, muitos ficam excluídos da propaganda, bem como de debates e entrevistas. Então desenvolvi um argumento a respeito, e daí nasceu o livro.
2 – Correio: Você diz no livro que o tempo mínimo de propaganda deveria ser de um minuto, com base no critério do direito de resposta. Como chegou a essa conclusão?
Neto: A lei eleitoral distribui o tempo de propaganda conforme o tamanho do partido ou da coligação na Câmara dos Deputados. Na última eleição, por exemplo, o Alckmin tinha mais de cinco minutos e Amoedo apenas cinco segundos. Não existe na regra um piso, um tempo mínimo garantido ao candidato. Entendo que a propaganda faz parte do direito à informação, não apenas do candidato em se apresentar, mas muito mais do eleitor, que tem direito de conhecê-lo e conhecer suas ideias. E sem essa informação o processo democrático não está completo, já que a democracia verdadeira é mais do que possibilitar o voto: é franquear o voto livre, consciente, com base em informação.
Só que uma informação não poderá ser transmitida razoavelmente se não tiver condições para isso, o que inclui o fator tempo. Sem um tempo razoável não se pode passar uma mensagem. Neste ponto minha pesquisa foi beber noutras fontes, como a fonoaudiologia e a teoria da comunicação, para concluir que o ser humano precisa de um tempo razoável para transmitir e compreender uma mensagem. Agora faltava encontrar o critério: qual seria esse tempo mínimo? Dez segundos? Dez minutos? Para isto usei como referência o direito de resposta. A lei eleitoral prevê que quem for ofendido pode se defender com tempo igual ao da ofensa, mas com um mínimo de um minuto.
Faço então uma análise e demonstro que ele tem a mesma natureza e pode ser empregado como baliza. Pois bem. A primeira conclusão é a de que a informação é essencial à democracia e a propaganda é o meio pelo qual ela chega ao eleitor. A segunda é a de que a mensagem precisa de um tempo mínimo. E a terceira é a de que este tempo mínimo é de um minuto. Considerando que a base do direito à informação e do direito de resposta estão na Constituição Federal, fecho o livro afirmando que este é um direito a ser garantido em decorrência de uma interpretação constitucional, ainda que não previsto em lei.
3 – Correio: Qual será o futuro da propaganda eleitoral?
Neto: A propaganda deve ser mais livre, com menos restrições. Atualmente chegamos num modelo repleto de senões, como a proibição de outdoors, showmícios, impulsionamento pago, pedido de voto na pré-campanha e outros.
Tudo isso foi sendo modificado sob a justificativa de preservar a igualdade de chances entre os candidatos com mais ou menos condições econômicas, mas na verdade as restrições acabaram sendo mais prejudiciais do que benéficas, porque limitam a liberdade de expressão e não impedem que os candidatos de maior poder econômico façam a propaganda com muito mais capacidade de alcance.
Isto vai depender dos debates no Parlamento, mas acredito que a tendência, no mundo inteiro, é de reduzir as restrições. Um pré-candidato pode dar entrevistas, pode fazer propaganda na internet, pode estampar sua imagem e divulgar amplamente sua mensagem, com uma única condição: não pedir voto. É claro que ninguém precisa expressamente pedir voto, basta fazer uma boa propaganda, a intenção é implícita.
Então para quê serve esta regra? Um faz-de-conta da lei, que não precisava estar lá. A lei já tem outros mecanismos para minimizar o desequilíbrio e combater os abusos, não deveria ser pela restrição à expressão das pessoas. A propaganda deve ser livre.
4 – Correio: Diante da internet, a propaganda eleitoral em rádio e TV está acabando?
Neto: Há um paradoxo aí. De um lado a internet cresceu exponencialmente, tomando conta da vida das pessoas, e não é diferente no processo eleitoral. De outro, gerou uma exposição exagerada a conteúdos diversos. Todo mundo fala, todo mundo opina, todo mundo dá notícias.
Essa hiperinformação acabou sufocando a sociedade e gerando um efeito reverso: se antes o desafio era buscar informação, agora é filtrá-la. Tem demais, e a maior parte não é útil, muitas vezes é danosa. O whatsapp, por exemplo, é fonte das maiores e mais frequentes fake news no mundo inteiro.
Como a maioria da população não tem acesso a livros, a jornais, a sites noticiosos tradicionais, o que resta são as opções repassadas em grupos, que vão formando bolhas, das quais muitos tem dificuldade de sair. Então essa fragilidade da internet acaba devolvendo para a imprensa tradicional, incluídos os veículos de radiodifusão, a responsabilidade de dar a informação consistente, por meio de jornalistas profissionais.
Pesquisas recentes mostram que de um lado a internet é a fonte mais usada para acesso à informação, mas a população ainda confia mais em TV, rádio e jornais para checar os fatos. Considerando esse aspecto, a propaganda eleitoral ainda sobrevive, mas a lei deverá se adaptar aos novos tempos.
5 – Correio: E o que pode melhorar na legislação eleitoral?
Neto: Quase tudo. A legislação eleitoral brasileira não é ruim, se comparada a outros países, mas ela reflete a visão de mundo de uma sociedade que custa a se ajustar aos novos tempos, principalmente porque, no conflito de interesses, que é natural, a defesa legítima de cada parte sempre será dominada pelo poder econômico. Isto desequilibra um pouco a balança social na hora de definir as regras do jogo.
A propaganda eleitoral, por exemplo, tem muitas restrições, poderia permitir maior liberdade de expressão, inclusive redistribuindo melhor os espaços, como no caso da tese do tempo mínimo. As prestações de contas são extremamente burocráticas. Outro exemplo: a lei dá poder excessivo à Justiça Eleitoral para regulamentar o processo eleitoral, às vezes até criando regras, como é o caso do telemarketing ou da posição em pesquisa eleitoral como critério para participação em debates. Isto se soma ao sistema judiciário atual que permite a fuidez da jurisprudência e gera algo bem problemático: a insegurança jurídica.
6 – Correio: Qual é a sua visão sobre o momento atual da política?
Neto: Estamos atravessando momentos turbulentos, agravados pela pandemia. Mas como tudo tem seus aspectos positivos, penso que essa polarização política nos fez amadurecer muito como sociedade.
Nossa democracia é recente, temos cerca de trinta anos de processos eleitorais capengas, enquanto a Europa, por exemplo, já experimenta esse sistema há séculos. Mas a dor ensina a gemer, e o povo está aos poucos entendendo um pouco como funciona a relação de poder, a importância da participação popular e da estabilidade das instituições.
Acredito que o modelo direita-esquerda está superado, não serve mais para contemplar a complexidade política e social da humanidade. Temos que avançar. Mas este é tema para outra conversa.