Jonas Hames*

O aroma inconfundível do jornal fresco é um território sensorial próprio, capaz de despertar rituais silenciosos e quase sagrados. Lembra o toque inaugural de um livro novo. É fechar os olhos, sentir a textura das páginas e inspirar profundamente. Um gesto que vai além do olfato e comunica ao cérebro a promessa de que, ao desdobrar aquelas folhas, o tempo se moverá. Há sempre um antes e um depois marcados pela cor inconfundível da tinta. Esse é o prelúdio de uma trajetória que, ao longo de duas décadas, viu mais de vinte mil páginas do Correio Catarinense se abrirem e se fecharem.
Cada dobra e cada mancha de tinta guardam histórias e memórias impressas. Lembro-me da primeira edição, que passou por minhas mãos antes de qualquer outro leitor sentir a aspereza do papel. Eram dezesseis páginas, com capa e contracapa coloridas, enquanto as demais, em preto e branco, refletiam o esforço de baratear custos sem comprometer a essência da informação.
À primeira vista, pode parecer que os impressos perderam espaço diante da velocidade das telas e da superficialidade que domina o cotidiano. Acreditar nisso seria apressado. É verdade que os espaços se transformaram, mas imprimir sempre foi um ato de resistência. Há coragem no gesto de ligar as prensas e fazer circular aquilo que, na atualidade, costuma se resumir a legendas rápidas e frases de senso comum.
Por essas folhas de tons terrosos passaram os fatos que moveram a região. Foram sete gestões municipais em São João Batista e muitos bastidores nem sempre amistosos. O processo de cassação de prefeitos, a destituição de um governante já no fim do mandato, o ponto a ponto da municipalização da água, com queima de documentos e longas disputas jurídicas.
Essas páginas também registraram as brigas nos legislativos, o vereador que colocou papel no nariz, o microfone queimado em plenário. Revelaram verdades escondidas em documentos oficiais e nos cochichos dos corredores do poder. Histórias que construíram e outras que derrubaram, porque o jornalismo que se faz nessas folhas não tem verniz.
Em mil edições, uma nova geração surgiu. Novos eleitores, novos eleitos, novas formas de pensar a cidade. E é nessas páginas que se compreende a geografia de um lugar que já teve vinte e cinco mil habitantes, passou a quase quarenta em estimativas e voltou a trinta e cinco mil no último censo.
Nesse papel que carrega o cheiro característico de jornal, a vida foi prensada, contada, pintada com muitas cores. Se enfileiradas, essas folhas formariam quase meio quilômetro de histórias. Lidas e relidas por uma comunidade interessada e interessante, elas têm o tamanho exato da memória que guardam.
É notável a persistência de um papel que sobrevive às telas e à velocidade do contemporâneo, onde tudo é medido em segundos. Ainda há quem aguarde sete dias pela próxima edição, certo de que, com uma xícara de café, terá em mãos o conteúdo que pautará as conversas da semana.
Esse papel de pontas cerrilhadas não perde relevância, porque imprime o que a pressa da internet apenas deixa escorrer. É permanente, como história, como registro de tempo, como um mapa que localiza o vivido nestas mil edições que desenharam os caminhos de nossos municípios.
“Cada dobra e cada mancha de tinta guardam histórias e memórias impressas”
- Jornalista, mestrado em Ciências da Linguagem e Doutorando em Ciências da Saúde



