Malcon Gustavo Tonini – Professor e Mestre em História
Regimes políticos sempre elegem seus heróis. E foi assim que o recém-proclamado regime republicano do Brasil, em 1889, elegeu Tiradentes herói da República. Uma decisão que hoje nos parece simples, a exemplo da escolha da Monarquia que elegeu D. Pedro I, mas na verdade não foi nada fácil, existiam muitos candidatos para uma única vaga. Deodoro da Fonseca, talvez a escolha mais óbvia, possuía contra si o fato de ser monarquista e amigo do velho imperador Pedro II. De Benjamin Constant, ninguém duvidava de seu republicanismo, mas não era popular. Contra Floriano Peixoto, lhe pesava o fato de não ser unanimidade entre os militares e também entre os civis. Os envolvidos diretos na proclamada República não eram o herói que se buscava, por isso, o jeito foi apelar para o passado, onde um militar republicano, da região Centro-Sul do país, e acima de tudo, um mártir convicto que morreu por uma causa sem esmorecer.
A escolha de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi eternizada pela obra de Pedro Américo, de 1893, consolidando as intenções políticas, fabricando um mito em nossa imaginação. Não que o mártir da Inconfidência Mineira não tivesse tido um fim trágico, pois foi enforcado e depois esquartejado como demonstra a obra. Suas partes foram espalhadas no caminho entre o Rio de Janeiro e a antiga Vila Rica, sua cabeça exposta na parte central da cidade mineira e depois furtada, sem que até hoje saibamos de seu paradeiro. Mas contra o que as intenções indicam, Tiradentes nunca lutou pela Independência do Brasil, seus objetivos e de seus companheiros inconfidentes eram locais, queriam revolucionar na então Capitania de Minas Gerais, motivados pelos seus próprios interesses.
Tiradentes errou e sofreu as consequências de seu erro, serviu de exemplo, para que outros não afrontassem o colonizador. Quem ratificou o acerto de uma escolha política, pouco mais de cem anos da morte do herói republicano, foi Pedro Américo, e, aliás, por mais uma vez. O artista paraibano já havia eternizado, em 1888, a famosa cena do Grito do Ipiranga, e o ato heroico de D. Pedro I ao proclamar a Independência do Brasil, o herói da monarquia. Pedro Américo é o responsável pelas mais conhecidas imagens que circulam no ensino, sobre os principais heróis da História do Brasil, ele fabricou referenciais que acentuam o que acreditamos ser a causa do heroísmo de Tiradentes e D. Pedro I.
Muitos fatores pesavam em favor do pintor, e no caso de Tiradentes, inimigo moral da monarquia, já era comparado à Cristo em palavras, não crucificado, mas enforcado em meio a uma multidão. O herói Tiradentes, retratado em Tiradentes esquartejado, com o corpo sobre o cadafalso de madeira lembrando um altar. Sua cabeça com barba comprida está em posição mais alta, tendo ao lado um crucifixo. Elementos que sugerem semelhanças entre o sofrimento do inconfidente e o de Jesus. Verdadeiras carnificinas que caíram sobre aqueles que ousaram não se curvar a poderes que recaíam sobre populações.
O 21de abril, oficializado em 1890 e iniciado com desfiles que lembravam procissões com o corpo de Cristo, congregava interesses cívicos, mas também ideais sob um herói religioso. Tiradentes representa o sentimento de união em torno de um ideal, fabricado para representar liberdade e independência. Não divide ninguém e não separa o presente do passado e nem do futuro. Era um Brasil cristão, com simbologias que transformavam um herói republicano em herói nacional. E continuamos todos a imaginar um Tiradentes vivo nos ideais de nação, focalizando sempre na ação de um herói, que deu a sua vida em prol da “Pátria”.