Malcon Gustavo Tonini – Professor e mestre em História
Analisamos nas últimas semanas, os principais personagens da independência de nosso país, pois comemoramos em 2022, o BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL. Mas e sobre o episódio mais famoso do processo que nos libertou de ser colônia portuguesa, eternizado na obra de Pedro Américo? O que é verdade e o que é mito, na imagem, que idealiza e glorifica um fato histórico marcante do passado de nosso país?
O quadro de Pedro Américo: “O GRITO DO IPIRANGA” é uma das mais emblemáticas imagens da História do Brasil. A obra foi feita por encomenda do governo da província de São Paulo para ocupar o salão de honra do Monumento do Ipiranga, prédio que estava em construção, e que foi reinaugurado recentemente, após uma grande reforma. O objetivo era enaltecer o regime monárquico e São Paulo como elementos fundadores da nacionalidade brasileira.
Se analisarmos a pintura, sem levarmos em consideração, os verdadeiros fatos em que ela é baseada, temos a impressão de que foi um momento glorioso, sobretudo para D. Pedro I, que é retratado ao centro, em posição mais elevada, montado a cavalo, com uniforme de gala e erguendo a sua espada. Acompanhando o príncipe regente, segundo Pedro Américo, estaria a sua comitiva, à direita, formada por homens representados erguendo seus chapéus. A frente deles, soldados, retratando os “Dragões da Independência”, com uniforme de gala. O riacho do Ipiranga, não poderia faltar, e está reproduzido em primeiro plano. Apesar de o autor ter pesquisado sobre 07 de setembro de 1822, lendo tudo que já haviam escrito sobre o episódio, pretendia atender os objetivos da encomenda. Pedro Américo inseriu, em sua obra, elementos que não passam de mitos, que devido à pintura e sua divulgação em livros escolares, por exemplo, acabam se tornando parte de uma narrativa histórica romantizada, como quando representa cavalos imponentes e os uniformes de gala nos personagens. Outro fato importante a se evidenciar, é que os Dragões da Independência só foram criados um ano após a independência por D. Pedro I, como sua guarda de honra.
Pedro Américo foi um artista formado segundo convenções europeias, vivenciando o nacionalismo e o militarismo do século XIX. Quando a pintura foi realizada, entre 1885 e 1888, o artista sofria influências que ficaram marcadas em seu quadro, como no retrato dos soldados e de outros elementos que dão imponência ao episódio retratado. O “GRITO DO IPIRANGA”, nos passa a ideia de um D. Pedro I vitorioso, o único responsável pela independência, fato esse que nos episódios anteriores dessa série, deixamos evidente o mito sobre essa ideia. Além disso, a obra de Pedro Américo é cercada de muita polêmica, pois, foi acusada por alguns autores, de plágio da tela 1807, Friedland, de Ernest Meissonier, pintada em 1875, que retrata a vitória de Napoleão Bonaparte na Batalha de Friedland, na Rússia.
Deixemos os mitos criados por Pedro Américo de lado, e passamos a caracterizar o que, segundo Laurentino Gomes, é verdade sobre o fato histórico em questão. Quando D. Pedro saiu de Santos, ainda sem saber que proclamaria a Independência do Brasil, o dia havia amanhecido frio, úmido e tomado pelo nevoeiro, faltando ainda uma hora para o nascer do sol. No dia anterior, o príncipe regente, havia inspecionado seis fortalezas e visitado a família do ministro José Bonifácio de Andrada e Silva. A comitiva do príncipe regente era modesta, bem distante do retrato de Pedro Américo. Acompanhavam D. Pedro, uma guarda de honra improvisada, o Coronel Marcondes, o Padre Belchior, o secretário itinerante Luís Saldanha da Gama, o ajudante Francisco Gomes da Silva, o “Chalaça”, e os criados particulares do príncipe, João Carlota e João Carvalho, principais testemunhos do fato, pois devido aos seus escritos, sabemos dessa versão. Pedro Américo, na obra, coloca outros personagens, ao lado do príncipe no momento do “GRITO”, de forma parcialmente verdadeira, mas que realmente são responsáveis pelos documentos trazidos até D. Pedro, em São Paulo, para que formalmente proclamasse a independência. Esses eram o Major Antônio Ramos Cordeiro, que teria sido o responsável por levar as cartas que foram o estopim do acontecimento, e seu acompanhante, Paulo Emílio Bregaro, que devido ao fato, tornou-se patrono dos Correios do Brasil.
- Pedro se aproximou do riacho do Ipiranga, em São Paulo, às 16h30, em situação de desconforto e de nenhuma elegância. O futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava sofrendo de uma terrível dor de barriga, que lhe acompanhava desde o litoral paulista. D. Pedro, não montava nenhum alazão, sua montaria era uma mula sem nenhum charme, porém forte e confiável, pois esta era a forma correta e segura de subir a Serra do Mar, em uma época de caminhos íngremes, enlameados e esburacados. D. Pedro proclamou a Independência do Brasil, marcando o início da História do Brasil como nação independente, como um simples tropeiro, coberto de lama e poeira do caminho, às voltas com as dificuldades naturais do corpo e de seu tempo. É dele que parte o “grito”, praticamente uma ordem militar que é imediatamente acatada por todos que o acompanham. Apesar disso, “O GRITO DO IPIRANGA” está longe de ser um momento de autoritarismo e personalismo, como transparece a obra aqui analisada, e as figuras secundárias, na obra de Pedro Américo, um homem conduzindo um carro de boi, outro, montado a cavalo e mais ao fundo, e um negro conduzindo um jumento, que representariam as pessoas comuns, do Brasil da época, não passaram nem de longe dos acontecimentos. Naquele momento histórico, o povo não foi testemunha dos fatos e muito menos teve participação na independência, ou suas vidas mudadas por ela.
Ao finalizar essa série de artigos, acredito que pude demostrar ao leitor que o Brasil, que desde 1822 tinha tudo para dar errado, acaba dando certo, por notáveis combinações entre sorte, improvisação, acaso e também pela sabedoria de muitas das lideranças que tiveram a responsabilidade de conduzir os destinos de nosso país!