Dr. Wilian Duarte da Silva
A dignidade da pessoa se mede pelo seu caráter, pelo seu valor moral, honestidade e honorabilidade. Esses predicados dão o dimensionamento de uma amizade sólida. A formação amiga, vai se adquirindo ao longo do tempo, conhecendo a pessoa. E quando a convivência é longa e os contatos constantes, a amizade se multiplica, se soma, se solidifica com segurança.
Tive por muitos anos, a felicidade de ser amigo de um dos homens mais importantes da igreja católica de Santa Catarina. Refiro-me ao meu amigo Monsenhor José Locks.
No início da década de 50, foi morar e dirigir os destinas da nossa paróquia de São João Batista, esse religioso, descendente e originário de teutos ou alemães, nascido no município de São Ludgero, SC, Monsenhor José Locks.
Eu, um jovem estudante do Colégio Santo Antônio, de Blumenau, adolescente, católico romano por tradição e convicção, passei a conhecer e manter contato com esse reverendo homem de meia idade, alto, magro, de sorriso aberto, de conversa única e aparentemente autoritário. A princípio, colhendo conversas aqui e acolá, o povo o seguia com um pé atrás, ante suas atitudes moralistas na hora da missa. Houve quem dissesse que iria comandar a paroquia com mão de ferro.
De fato, o meu amigo Monsenhor Locks, era um homem íntegro e gostava de impor sua maneira de agir e fazer nas tratativas religiosas. Com ele, não tinha essa história de ficar conversando na frente da igreja na hora da missa. Todos teriam que assistir a cerimônia litúrgica. Triste da moça que se apresentasse na igreja com decote ou mini saia. Não permitia a entrada no templo e se tivesse dentro, mandava se retirar. E mais, não era chegado a conversa fiada.
A atitude dele era uma só, doesse a quem doesse. Ou seguia os seus ditames ou não assistia a missa. Homem duro no comando da doutrina católica e outras atividades administrativas.
Ah! Se o Monsenhor José Locks, não fosse firme, enérgico, em certos momentos das atividades da vida paroquiana, a nossa cidade batistense, por certo, não teria alcançado o grau de desenvolvimento, tanto na área religiosa, como administrativa, de modo geral. Invejada por muitos.
Na campanha emancipacionista para criação do município de São João Batista, em 1957/58, foi um baluarte, um guerreiro a serviço do povo batistense, abraçou conosco essa batalha vitoriosa.
A cidade de São João Batista, era Distrito do município de Tijucas. A sua emancipação, deu-se em 19/07/1958. O lugar dava os primeiros passos para uma vida própria e independente. Tudo era novo na esfera político administrativo, com instalação do novo centro administrativo (prefeitura), sem levar em conta a organização municipal. Meu amigo Monsenhor, participou e vivenciou esses momentos da vida da cidade. Só por essa razão, tornou-se no conceito popular um batistense de coração. Tornou-se sim, um líder religioso amado pelo povo. Aquela obcecação de alguns, passou a ser motivo de lealdade e orgulho.
Por outro lado, é necessário dizer que a nossa comunidade religiosa e o povo de modo geral, estavam desacostumados nos seus usos e costumes com relação a missa, principalmente. Os ensinamentos ou maneira de agir do Monsenhor, passou a vigorar. As pessoas tiveram que se adaptarem a essas novas condições.
Ele colocou os batistenses nos eixos. Implantou a sua forma rígida de moralidade cristã, sem meios termos. Fez recrudescer a confiança popular na igreja e também de maneira geral.
A verdade, verdadeira, é que nosso povo, com a chegada do Monsenhor, se tornou mais ordeiro, consciente das suas responsabilidades e cumpridor das suas obrigações com relação a igreja e a sociedade. Meu amigo Monsenhor, precisava ser enérgico, diferente, diante do quadro que desenhava a comunidade católica e competente para fazer a diferença. Ele fez isso, com sobriedade, firmeza, competência e dignidade. Foi diferente para o bem, para a ordem, para o respeito das pessoas com as coisas sagradas, no bem querer da comunidade católica e sobretudo com a casa de Deus. Afirmo isso, como católico, como cidadão batistense da cepa, apegado até hoje ao nosso povo e a nossa gente, especialmente a nossa cidade, mesmo beirando os 87 anos de idade.
A medida em que a vida seguia, mais e mais, passei a me aproximar desse homem correto, comedido, de vida simples, modesta. Se não estivesse nos seus afazeres do dia a dia, estava ledo, estudando. Dando de si a favor da comunidade.
Na área da cultura era uma sumidade. Certa ocasião, em conversação sobre história universal, a respeito dos grandes pensadores da humanidade, disse-lhe que o filósofo SPINOZA, possivelmente teria nascido na França, imediatamente me corrigiu, dizendo que era holandês, nascido em Amsterdã. Sabia tudo.
Da bíblia era conhecedor profundo. Lia muito. Gostava de estudar os assuntos de interesse da população. Assim que começou a surgir com certa veemência, as questões agrárias na década de 60, já na qualidade de advogado, queria saber sobre o direito de propriedade, o que estabelecia o Código Civil Brasileiro.
Estava sempre atento aos acontecimentos do país. Não admitia políticos comunistas ou atrelados aos comunistas. A confiança entre nós era mútua, mesmo porque, não existe amizade sem confiança.
Outra feita, como Deputado na Assembleia Legislativa, me pediu para levar uma carta para o candidato a presidente da república, Jânio Quadros (1960), que ia ser recebido pela grei partidária da União Democrática Nacional (UDN), que tinha como governador Heriberto Hulse e da qual eu fazia parte. Essa recepção seria no Palácio da Agronômica, Florianópolis, residência oficial do governo do Estado. Dias antes, passei como de costume na casa paroquial, para lhe visitar, quando, então, me pediu para levar uma carta sua e entregar ao candidato Jânio da Silva Quadros. Pelo que pude observar, a preocupação dele (Monsenhor), era o comunismo. A carta foi entregue ao Presidente, que deu resposta imediata.
No campo material não media esforços para ajudar a cidade, abraçava com denodo os problemas sociais. Durante sua permanência na paroquia, com ajuda popular, construiu a igreja matriz, a casa das irmanzinhas da Imaculada Conceição, capitalizou esforços para a construção do Hospital Monsenhor José Locks( justa homenagem do povo, através da Câmara Municipal), escolas municipais e tantas instituições. Sempre ajudando, dando de si, do seu conhecimento, da sua experiência a serviço da comunidade. Sempre presente. Em tudo, estava a sua pregação religiosa. Ajudou muito a cidade, em todos os sentidos, moral, espiritual, intelectual e material.
Vejo alhures, o ilustre padre José ArtulinoBessen, referindo-se ao Monenhor José Locks, dizer: “carvalho que nenhuma tempestade derrubava”. É verdade. Bem dizia também, a nossa gente do Vale Tijuquense, “pau de guatiguá” que a tempestade envergava, mas não quebrava.
Esse era o meu estimado amigo Monsenhor José Locks.
Escrevi sobre ele em livros de minha autoria.
Saiu da cidade de São João Batista em 1969, para continuar sua missão religiosa no município vizinho de Major Gercino, deixando saudades ao povo batistense, que jamais o esquecerá.
Faleceu em Major Gercino no dia 25/09/1983, onde foi enterrado, consternando sensivelmente, esse seu velho amigo.