Dr. Wilian Duarte da Silva
O que é da cultura popular, dificilmente, se apaga da memória. Se eterniza, em função da transmissão de pessoa para pessoa ou de grupos. As lendas, contos, causos, crendices se perpetuam, pelousos e costumes. Há também, casos de pouca significância, raros, que se mantêm na posteridade. Atravessam gerações, não pela relevância do caso, mas pelas circunstâncias. Seja, pela forma dita, entendida, ou de procedimentos obtusos. Simples fatos de consequências normais, podem operar efeitos de duração eterna. Deixam marcas, estigmas, e percorrem o tempo infinitamente, pouco importando, se de cunho negativo ou positivo.
Os casos referentes a apelido, nome ou cognome, atribuídos a pessoas ou a moradores de localidades, por simples brincadeira jocosa, de sentido pejorativo, permanecem por séculos. Esses adjetivos depreciativos, inconvenientes, com o tempo, podem se tornarem graciosos, e adotados pela região nominada, de singular beleza.O apelido, ‘’cascudos do Carmelo’’, foi atribuído aos moradores locais no início do século passado.
Conta a lenda, de cem anos, que os moradores da localidade, andavam descalços, com calça arregaçada, em meia canela, devido a grande quantidade de água na região. Na acanhada estradinha de acesso as suas casas, corriam riachos, arroios, ribeirões, além de brejos e alagadiços. Viviam com roupas ensopadas, pelas circunstâncias naturais. Compareciam constantemente no comércio da Vila, onde eram observados, com vestes molhadas. Nessa constância eterna, passaram a denominar os moradores locais de cascudos do Carmelo. Habitantes das águas.
O apelido que outrora, tinha cunho pejorativo, passou a identificar com carinho e lhaneza os moradores. O mesmo ocorreu, com os carneirinhos de Fernandes, inicialmente de nominação desdenhosa, hoje, é sinônimo de distinção.
Na esteira dessas cognominações de cunho gracioso, afetivo, passo a discorrer sobre o Carmelo, de meus ancestrais. Carmelo, tem origem na palavra hebraica Karmel, que significa “jardim,” “pomar” ou “campo fértil”. Segundo a bíblia, no Monte Carmelo, situado em Israel, se deu o duelo espiritual entre o profeta Elias e os profetas de Baal. Local onde Elias desconcertou os profetas de Baal, levando, de novo, o povo de Israel à obediência ao Senhor.
Há pouco tempo, o Carmelo de Dentro e Carmelo de Fora, formavam uma localidade com a denominação de Carmelo. Essa separação, ocorreu com o asfaltamento da SC-410, dividindo em duas áreas, de mesmas características.
Livros históricos, dão conta, que o velho Marcolino Duarte, chegou no Carmelo por volta de 1870. Ainda solteiro. Casou-se em SJBatista. Alguns dizem ser descendente de açorianos, da Ilha de Açores. Outros, da região sul de Portugal (Algarve). Montou uma serraria, engenho de farinha e atafona. A estrada que dava acesso a sua casa e empreendimento, partia de seu terreno, final da rua Augusto Inácio Mafezzoli, lado esquerdo, corria no seu terreno, em direção a estrada geral São João Batista/Nova Trento, saindo nas imediações da Churrascaria Soares-Churrasco na Tábua, de Afonso Soares. Percorria em morros.
Mais tarde, com a chegada de outros colonos, foi aberta a estrada atual. A velha, foi abandonada.
Lembro com clareza solar, do meu tempo de criança, 1940/1947, quando acompanhado de meu pai e irmãos, íamos frequentemente para o Carmelo, onde estavam localizados os engenhos e a casa de morada de meu avô. Nessa época, o empreendimento já pertencia a meu pai Benjamim Duarte da Silva, conhecido popularmente de Nenem Marcolino.
Recordo da velha estradinha vicinal, caminho rudimentar, de carros de bois e carroças,cortada por sangas, riachos, arroios, brejos, que desaguavam no ribeirão do Carmelo. Passava-se por dentro d’água. Não existiam pontilhões ou pinguelas.
Naquela época, haviam cinco famílias na região, que tive a felicidade de conhece-las. Família Tamanini (Antônio e João Tamanini), proprietários de terras no final do Carmelo, últimos moradores. Descendo o ribeirão, chegava-se na propriedade da família de Luiz Fontanelli. Seguidamente no imóvel de Vicente Voltolini. Mais adiante, terras de meu pai (Benjamim), onde estavam os engenhos. Continuando, a propriedade de João Cipriani, conhecido como Velho Naneti. Extremando ao norte, dava novamente, com terras de meu avô. Depois, Antônio Andriolli, conhecido como Antônio Mateu, cuja propriedade não fazia parte do Carmelo.
Essas famílias, detinham toda região do Carmelo. Mantiveram essa hegemonia até 1955/60. Formavam um agrupamento de famílias amigas, católicas, que se visitavam constantemente. Viviam da agricultura. Essas terras, começavam no Rio do Braço e seguiam até o Travessão Geral do Krecker, com 3.300 metros de fundos.
Nesse tempo de meu conhecimento, o volume de água era enorme e se estendia por toda área baixa da Valada Carmelense. O arroz era plantado n’água, sem necessidade de bombeamento, até porque, não existia energia elétrica. Serraria e engenhos eram movidos a água, controladas por tapumes. Lá nos fundos, encontrava-se a capelinha do Divino Espírito Santo, naquela época, chamada de “Capelinha dos Tamaninis,”com realização de festa no mês de maio, onde, juntavam-se os poucos colonos da região.
No Carmelo, vivi grande parte da infância. Com estilingue na mão, caçava frango d’água nas arrozeiras e arredores. Divertimento de nenhuma valia.
Com asfaltamento da rodovia SC-410, em 1979, a localidade de Carmelo passou a tercrescimento demográfico expressivo. Trabalhadores de diversas cidades da Região Sul do Brasil, notadamente da área calçadista,passaram a residir no Bairro. A partir de 1992, com o fechamento da indústria açucareira (USATI S/A), que motivou e o incremento industrial calçadista, o aumento populacional da Região, foi notável, principalmente no Carmelo de Fora. Carmelo é um Bairro em crescimento, com característica residencial e próximo do centro. Lugar pacato, bom de se viver.
Aos carmelenses o meu abraço.